SOMBRAS
NA PAREDE
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Pedro
Brasil JR
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A
primeira vez que a vi, ela estava debruçada no peitoral da janela
no alto de um sótão. O
sorriso espontâneo mexeu de imediato com os mistérios ocultos
nas profundezas do meu ser. Talvez
tenha sido uma dessas paixões inexplicáveis, embora tivesse
sido por longo tempo, nada mais do que um amor platônico. Por
inúmeras vezes passei naquela rua com o olho curioso naquela janela.
As vezes fechada para minha decepção. Outras vezes aberta
mas sem a presença dela. Mas aconteceram ocasiões em que
fui premiado com aquele sorriso franco e de certo modo bem maroto. Os tempos eram outros e para se aproximar era preciso estudar o território e ensaiar as palavras certas, como um script de novela. Tive mais sorte quando um dia, peguei o ônibus e lá estava ela. Ficamos trocando olhares durante todo o trajeto e ao desembarcar arrisquei uma fala gaguejante. Caminhamos
por duas quadras naquele diálogo de detetive, os dois só
fazendo perguntas. Passaram-se
os meses e esporadicamente a gente se via e agora até um aceno
era permitido. O coração saltitava cada vez que eu a via
e passei a alimentar aquilo como se fosse uma grande aposta no futuro.
Essas coisas que não se explicam mas que dizem que o amor explica... Com
os amigos, a gente comentava sobre esta ou aquela e cada um tinha por
certo um objetivo traçado. Mas no fundo, a maioria acalentava um
sonho com ela, fosse da maneira escolhida. Surgiam
boatos de que ela não era a mulher ideal, que haviam suspeitas
sobre o seu comportamento e por ai afora. Mas que ela encantava a todos,
era indiscutível. Pensava-se
besteiras a respeito dela, ainda mais que era de fato um mistério. Primeiro
que havia aparecido repentinamente e depois, porque sabia provocar nossos
instintos e causava verdadeira revolução hormonal. Éramos
jovens e as idéias todas eram um dicionário de absurdos. Daquela
turma, se bem recordo, todos tinham apenas uma vaga idéia do que
era sexo e de como se fazia. De concreto mesmo, tínhamos a noção
de que mais cedo ou mais tarde, constituiríamos uma família
e por ali, estavam os primeiros passos. Ao
longo do tempo, muitos foram arrumando namoradas e tendo suas experiências
escondidas à sete chaves.Havia uma ansiedade completamente insana
e todos saiam dia após dia feito farejadores de raposas. Pois
bem; ninguém mais falava a respeito dela e de seus mistérios
exceto um famoso bêbado da região que quando turbinado tinha
até o poder de advinhar as centenas do jogo do bicho. Era implacável
e fazia disso o seu ganho. Certa vez, enquanto jogávamos bilhar,
alguém relembrou da mulher misteriosa e o bêbado foi logo
se metendo no assunto, dizendo que à noite, através dos
vidros daquela janela, podia-se ver silhuetas provocantes dela e de seu
amante. Tudo à luz de vela e decididamente picante. Em
princípio, pensamos todos que era uma grande besteira mas decidimos
espiar para comprovar. A suspresa não foi das maiores porque já
sabíamos e ficamos observando aquelas sombras que não diziam
absolutamente nada. As vezes dava a impressão de ser uma pessoa
ou duas. As vezes dava a impressão de ser um monstro talvez... A
imaginação nos permitia ver o que desejávamos e isso
provocava discussões acirradas. O
tempo continuou sua dança e fomos, cada um buscando o seu norte
em busca das realizações pessoais. Uma tarde, no entanto, quando eu regressava para casa, despencou o maior aguaçeiro e fiquei sob uma marquise esperando acalmar a chuva para poder seguir meu rumo. De repente, eis que surge do nada aquela mulher misteriosa com seu sorriso provocante e agora, molhada da cabeça aos pés. Ficamos
ali por uns vinte minutos e desta feita, a conversa foi bem aberta, como
se nos conhecessemos há anos. Eu
estava hipnotizado e ao diminuir a chuva ela me convidou para ir até
sua casa, onde poderíamos nos secar. Veio a dúvida mas acabei
aceitando. Quando dei por mim estava justamente naquele quarto onde a
imaginação havia criado tudo o que era possível,
exceto o que era a realidade. Tudo
muito simples e numa cômoda havia um lampião que deduzi ser
o responsável pelas imagens refletidas. Ela
me estendeu a mão com uma toalha felpuda e pediu para que eu enxugasse
suas costas. Minhas mãos tremiam e aos poucos ela ia tirando a
roupa. Logo estava nua, com uma pele alva de pêssego e aquele sorriso
malicioso. Eu já não sabia se era verdade ou se era sonho.
Aos poucos, sem dizer mais nada, ela foi me despindo e logo estávamos
lá, entrelaçados e entregues ao próprio tempo. As
horas passavam embora o tempo estivesse parado e éramos agora dois
corpos em total volúpia e mergulhados em beijos, carícias
e aromas indefinidos . Agora
a chama do lampião flamejava ali perto e realmente, criava sombras
esquisitas pelas paredes e por certo, refletia lá fora todo um
mistério que eu agora vivenciava de perto em mais uma dessas fantásticas
descobertas que impulsionam a vida. Tudo
naquele momento eram chamas ardentes, consumindo os desejos, fazendo esquecer
da vida lá fora, fazendo lembrar que os sonhos muitas vezes podem
ser reais e nos transportar para o além-jardim. Um encontro apenas! Inesquecível e desafiador. Ela foi embora, sem um adeus, sem um sorriso, sem uma desculpa e sem culpas também. Deixou para os outros a possibilidade de seus pensamentos insanos e para mim, a certeza de que as ilusões, muitas vezes são sombras nas paredes projetadas pela chama de um pequeno lampião. |
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