SOLDADO
DA PÁTRIA
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Ronaldo
Torres
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Ao completar os 18 anos me engajei nas Forças Armadas Brasileiras. Não por livre e espontânea vontade, mas por força do patriotismo de Olavo Bilac, o patrono dos Reservistas, que tornou o serviço militar obrigatório sinônimo de amor patriótico. Servi o Exército Brasileiro como um garbo e orgulhoso infante. Em tempos de exceção, não bastava ser: tinha que parecer. Um soldado tem que ter orgulho da farda que veste, dizia o manual. Do contrário, penaria nas prisões da vida como comunista. Os generais viam inimigos em tudo que era parte. Os quartéis viviam em contínuo estado de alerta. Após longas horas de treinamento sob sol escaldante, o recruta Josafá desmaiou de cansaço e fraqueza. Ao cair, o fuzil bateu em uma pedra, lascou a coronha e a vida do soldado Josafá: a verde-oliva abriu inquérito policial, chamado de IPM, acusaram-no de estar a serviço de Moscou, colocaram-no em um camburão e sumiu sem deixar vestígios. O movimento hippie fervilhava e eu navegava ao sabor da onda do "peace and love". Paz e amor, bicho! Cabeludo, barbudo, calça jeans e jaqueta de couro, cheguei ao quartel enrolando um baseado. Apresentei-me ao Comandante: -
Recruta, você tem meia hora pra aparecer aqui feito soldado! - ordenou
o sargento. Minha
mãe ficou assustada quando me viu entrar em casa na maior desenvoltura: Santo Deus, minha própria mão não me reconhecia! Era o fim da picada. Eu, um soldado da Pátria, e a minha mãe me rejeitava. Será que ela era uma comunista?! Carmem Lúcia dizia me amar perdidamente. Eternamente. Mais do que Julieta a Romeu. Repetia seguidamente: "I love my life because my life is you". Escreveu essa frase na calça jeans, à altura da coxa esquerda. E eu acreditei em suas palavras, pensando na maciez aveludada de suas pernas. O delta das coxas realçado pelo jeans desbotado deixava vestígio de que estava a milímetros do paraíso. Quando me viu fardado de soldado da pátria, terminou o namoro, de supetão, sem direito a apelação. Ao indagar os motivos, respondeu cinicamente que amava um hippie, e não um soldado. Se ao menos fosse da Aeronáutica, dava-se um jeito, disse. Ah! Vagabunda! Tive vontade de pegar o fuzil e descarregar em sua cabeça e depois me suicidar. Mas não podia sair armado do quartel. Optei por levá-la presa, como ativista do MR-8. Ela ia ver com quantos paus se fazia uma canoa. No meio do caminho parei e pensei na besteira que estava fazendo. Como soldado da pátria não podia ter relações com uma guerrilheira. Ia ser preso também, como cúmplice. E torturado, até confessar quem era o meu contato em Cuba. Ou em Moscou, como fizeram com o recruta Josafá. Desisti da idéia. Soltei a cachorra no meio da rua e entrei num boteco para afogar as mágoas. Enchi a cara e passei a noite em um puteiro. As putas me amaram como amam as abelhas os zangões. Só não me mataram porque eu era um soldado da Pátria. Elegeram-me o maior amante do mundo e não me cobraram nada. Se assim não fosse, levaria todas presas, como comunistas. Apaixonado, fiz uma poesia cheia de mensagem erótico-romântica em papel de carta amarelo e florido. Desenhei um coração verde-amarelo. Subornei o sentinela e fui ao encontro da bandida na saída do colégio. Pedi uma chance. O Serviço Militar era só um ano. Findo o prazo, voltaria a ser um garoto que amava os Beatles e o Rolling Stones. Ela vacilou. Entreguei a poesia e uma caixa de bombons. Primeiro ela abriu a caixa de bombons. Leu a poesia em silêncio, com a emoção de quem lê uma receita de bolo: EU
GOSTO Eu
gosto Eu
gosto É
uma gata. É
o palito que nos une As
coxas, Assim,
ó meu doce amor, Apenas
subi na árvore E
estou aqui, zanzando acolá, Terminou a leitura e me olhou ruborizada, como se eu fosse o único poeta do mundo. Suspirou fundo e disse que havia evidentes vestígios de plágio. Neguei. Mostrei o rascunho cheio de rabiscos e versos riscados. Palavras manchadas de tinta como a mácula da acusação. Ela atacou encolerizada: - Cachorro mentiroso, pensa que sou burra?! Essa é uma poesia de Manuel Bandeira! |
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