Á SOMBRA DA SOLIDÃO
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Pedro
Brasil Jr.
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Sobre
a Terra, todos os caminhos são um mistério! Em nossa jornada pela vida, a estrada é longa e repleta de atalhos. São páginas de um livro aberto ao novo, ao desconhecido e ao mais súbito imprevisto. Na travessia do Saara, juntamente com a caravana de Tuaregues, tínhamos apenas a certeza de que chegaríamos a algum lugar. Os mercadores sofridos em lombo de camelos levavam um grande carregamento de sal e água suficiente para a jornada audaciosa. Sol, areia e calor insuportável durante o dia e à noite, areia, frio e estrelas cintilantes no firmamento. Os mercadores não falam muito e apenas seguem sua trajetória certos de que aquele é o caminho. Não existem referências a não ser a posição do sol ou das estrelas. Mas existe uma certeza que lhes é toda própria e esta confiança em meio ao vazio leva a caravana em seu ritmo lento, porém preciso. Para quem é estranho ao ambiente, as incertezas dançam em torno da cabeça. Aquele é um mundo enigmático e cruel. Ao longo da jornada, carcaças de camelos que não resistiram se multiplicam. São as únicas coisas diferentes da areia que a gente pode ver às vezes. Os camelos que compõe a caravana não se intimidam e seguem em seus passos firmes, ainda que seja notória a incerteza de suas vidas e da própria chegada ao desconhecido, onde quem sabe, possam saciar a fome e reabastecer o corpo com a relíquia que é a água. Cada dia parece uma reprise do anterior: sol, areia e calor. Frio, areia e estrelas. O que muda às vezes é o encontro com outra caravana em sentido contrário, o que desperta a esperança de se chegar logo a um destino. Os homens decidem parar para saciar a sede com aquela água que se mantém fresca nos invólucros feitos com o couro de cabras e que não aparenta ter boa qualidade. Mas naquela imensidão, é tudo o que possuem para garantir a própria vida. Os camelos não bebem nada e já estão há 15 dias naquela marcha pelo deserto, cansados mas obedientes diante da árdua missão a que foram confiados. As dunas às vezes se avolumam e se transformam em verdadeiras montanhas de areia naquela paisagem sem nada. Só os Tuaregues são o movimento vivo em tudo aquilo, além da clássica passagem do vento. Apesar do cansaço, a caravana prossegue e em dado momento, observa-se ao longe algo diferente na paisagem bucólica. Uma árvore? Talvez seja uma miragem... O líder do grupo avisa que estamos no Ténéré. Ténéré é, na linguagem dos Tuaregues, simplesmente O Nada! Mas lá estava uma única árvore em meio àquela imensidão de areia. Em meio ao nada, firme e forte, como se fosse um farol a orientar os barcos no oceano. Sim; estávamos num oceano de areia e justamente ali, no Ténéré, encontrava-se a única forma de vida além dos homens e camelos. Como era possível? Então, o líder do grupo explicou que aquela era a árvore mais distante na Terra, uma obra do divino, respeitada por todos os viajantes do deserto, porque era a única referência que indicava o caminho correto a seguir. Daquela árvore, uma sobrevivente de um grupo de acácias, o lugar mais próximo com outras vidas, estava há centenas de quilômetros e de muitos dias de viagem. Na medida em que nos afastamos, a árvore foi ficando cada vez menor até desaparecer entre as dunas. No meu pensamento ficou aquela imagem para sempre até porque havíamos estado, com toda certeza, diante de um sinal de que a divindade existe e ao mesmo tempo, nos surpreende com a possibilidade do impossível. A caravana seguiu lenta e com ela nós fomos adiante com a ansiedade de chegar a um destino que permitisse reconstituir as forças e seguir para outros rumos. Ainda assim, a imagem da Árvore do Ténéré permaneceu na mente, sacudindo as possibilidades de algo até então impossível, inimaginário, completamente fora do sentido que a natureza tanto rege. Divaguei a respeito da solidão que assola os homens nas grandes cidades, repletas de pessoas por todas as partes. Retornei em mente à jornada pelo deserto, com aqueles mercadores concentrados em sua marcha, alheios às maravilhas que encantam outros homens em todas as partes e ali, dispostos a encarar tamanho desafio por punhados de sal que garantem outras provisões. E todos, apesar de juntos, envolvidos em suas solidões e não raro, em suas mais profundas orações porque o deserto é tão denso, tão profundo que todos os pensamentos tornam-se uma meditação inigualável. Anos se passaram e a rotina continua a mesma. Homens, camelos, areia, calor e frio, certezas duvidosas e um silêncio tão denso que é quase possível tocá-lo. Mas aquela árvore solitária, única a resistir pelo tempo como se fosse parte daqueles homens, um dia tombou pelo descuido e pela ironia. Ao seu redor, centenas de quilômetros de areia ou de nada e um motorista alcoolizado conseguiu a proeza de derrubar aquele tesouro vivo e único. Mas a tragédia jamais mudou a rotina dos Tuaregues e outros povos. A árvore ficou para sempre no coração de cada um deles, como um símbolo de força e resistência, que só se compara à coragem e a bravura daqueles mercadores e seus camelos que atravessam o nada em busca de alguma esperança e que hoje, ainda sentem lá no Ténéré a presença daquela árvore que, em sua longa solidão, jamais se negou a ofertar sombra a todos os que ali dedicaram um tempo para descansar e prosseguir. Porque hoje, não há mais árvore, mas a sua sombra será para sempre um bálsamo no coração sofrido de cada viajante que cruza aquelas areias escaldantes do Saara com todas as evidências de quem um dia, Alá designou um anjo, na forma de árvore para proporcionar a certeza do caminho a seguir. E nós continuamos aqui, ironicamente, em meio a arvoredos questionando nossa estranha solidão. |
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