A GRANDE EXPECTATIVA
Pedro Brasil Jr.
 
 

Havia passado por uma preparação toda especial. Seus esforços superaram todas as expectativas. Estava pronto para seguir sua viagem insólita.

Devidamente orientado, recebeu do mestre as últimas instruções e foi prontamente colocado numa cápsula que o levaria, inicialmente, a um destino incerto.

Mas ele tinha certeza de que alcançaria em pouco tempo a atmosfera que tanto falavam e exaltavam. Era para ele o verdadeiro paraíso, um lugar tão perfeito onde sua vida mudaria para sempre.

Deitado em sua cápsula que mais parecia um casulo, ele adormeceu enquanto seus pensamentos se agitavam diante de tantas expectativas.
Passou a recordar de momentos em que o mestre lhe falava sobre aquele lugar maravilhoso onde ele chegaria um dia. Lembrou das citações que envolviam os seus sentidos, passando a perceber no ar um forte aroma de mel envolvido por fragrâncias suaves que só as mais belas flores seriam capazes de exalar. Sentia suas mãos tocar as superfícies mais lisas e as mais ásperas também. No rosto, lhe tocava uma brisa suave e surpreendente. O coração palpitava e a alegria lhe consumia a imensidão da alma. Podia enxergar, ainda que preso em sua cápsula, o ruflar das asas coloridas daquelas borboletas que o mestre tanto exaltava. E ouvia o canto de pássaros que jamais imaginara existirem. Em sua boca lhe chegavam os mais apurados gostos, de coisas que também jamais havia provado.

Em sua viagem ao desconhecido, lhe chegavam à mente os mais intrigantes sonhos e através deles podia ver o céu, em sua infinita imensidão azul. Podia ver a grama verde, uma ruela num vilarejo, crianças em algazarra num parquinho, cachorros correndo e latindo e podia ver até mesmo uma escola com aquele bando de crianças em seus aventais brancos como a neve. Neve? Ah! Os flocos de algodão que caiam do céu durante o inverno. Em seu preparo final, conseguiu sentir estas mudanças que expressam a passagem das estações, sentindo um pouco de frio e de calor, um sentimento de melancolia típico do outono e uma sensação de extrema alegria ao descobrir que tudo ao redor eram cores e vidas palpitantes.

A viagem era perfeita, melhor do que imaginara por tantas ocasiões. Faltava atingir a estação principal e de lá, depois de longos nove meses, desembarcar para uma fantástica aventura.

Apesar de envolvido em seu "casulo", podia sorrir e chorar. A alegria por ter sido escolhido entre tantos lhe permitia uma magnífica vitória nesta competição cujo prêmio seria simplesmente construir uma existência. Já as lágrimas que lhe chegavam aos olhos, eram o resultado de todos os seus esforços e da sua dedicação total para conseguir ser escolhido. Num misto de alegria e dor, ele permaneceu por lá aguardando a abertura dos portais e o maravilhoso encontro, que provocaria uma grande explosão e por onde ele finalmente deixaria sua cápsula para se tornar uma célula viva e capaz de captar todas as maravilhosas sensações.

Pensava de que maneira isto aconteceria. E lembrou que um dia, o mestre falava de amor, de encontros além do jardim, de paixões avassaladoras, de sentimentos que não se explicam porque eles simplesmente dão o toque mágico à vida.

Este era então o grande segredo. Sabia de algo um pouco além e estava definitivamente preparado para alcançar a supremacia da Luz.

Aconteceu sim um encontro, lá no "além jardim". Mágico, envolvente, coberto de promessas e de motivos, impregnado em todas as essências, em todos os gostos, em todos os sentidos. E a explosão sucedeu-se de maneira silenciosa lá fora mas naquele interior, foi de uma precisão fantástica.

Agora ele estava lá. Era a estação onde deveria chegar para sua magnífica viagem através do tempo. Ficou quietinho por longos dias, sentindo a vibração de movimentos alheios ao seu conhecimento. Mas estava ciente de que dentro em pouco, chegaria sim, ao seu tão esperado destino.

Confortavelmente envolvido em seu "novo casulo", tinha agora a certeza de que os seus sentidos eram reais e que algo em si palpitava sem parar. Tudo estava tão perfeito e ele sentia-se na maior segurança. O que não sabia era o que se passava lá fora enquanto crescia lá dentro. Foi assim que acabou sendo descoberto com quase dois meses de maravilhosa estadia. E repentinamente se viu extraído de seu "casulo" tão bruscamente que a tão esperada Luz, nada mais foi do que um flash de frações de segundos. Seu palpitar parou, seus sonhos dissiparam e seu aprendizado todo se perdeu por caminhos que jamais imaginara existirem. E ficou esquecido em sua pequena forma num vidro cheio de um líquido incolor, sem sentido e sem vida.

Mas as borboletas continuaram a ruflar asas naqueles jardins que ele tanto sonhou e cujas flores cultivou com a maestria e o amor do mais experiente dos jardineiros.

 

*Dedicado a todos os espíritos que também sonharam com a Terra, com o Amor, com os ruflar das asas das borboletas mas que, por um desses imprevistos, foram implacavelmente abortados de suas mais profundas expectativas do direito à vida.