TOALHA ÚMIDA
Carla Deboni
 
 

Porque nosso amor foi resultado de seis acasos. Sem descasos nem desacatos, somente acasos. Por acaso fui até o portão naquela tarde de agosto. Estava cansada dos largos cômodos da habitação de aluguel, vazios ainda às cinco horas. Avancei na calçada e me sentei no meio-fio, como fazem todas as moças ansiosas por um rescaldo de sol e a vontade de ser observada ainda em sua graça juvenil.

Por acaso você passou no meu endereço no instante em que meus pés roçavam os braços da rua. Confesso que só fui olhá-lo depois de reconhecer a Calói que você pedalava, modelo recém-lançado, com marchas e câmbios que acionaram o mecanismo do meu entusiasmo, lambendo até as graxas de sua corrente. Quando resolvi espiar seus olhos, notei que seu cabelo estava molhado, e achei graça no flagrante da umidade e do frescor do banho ainda preso nos fios.

Por acaso você estava perdido, tentando encontrar a rua do sapateiro para buscar a encomenda da mãe. Engraçado pensar que o sapateiro ficava a mais de seis quadras de casa, e nem do mesmo bairro compartilhava. E você só me notou quando puxei os pés rapidamente para que a roda da bicicleta não me magoasse os dedos dançando na chinela, tão preocupado estava com a numeração das casas, em nada parecida com a repetida pela mãe tantas vezes no ouvido.

Por acaso essa cena o lembrou de uma outra, em que machucou a prima. Ah, essa mania de pedalar próximo ao meio-fio, o medo da falta de espaço no meio da rua. Não teria parado para se desculpar se o episódio já não lhe fosse familiar, sei disso.

Por acaso meu nome era o mesmo da prima e pude ver o sorriso desvencilhando-se do embaraço para mais uma vez cair na lembrança. E novamente, somente por acaso, uma forte chuva começou a umedecer também os meus cabelos e eu o convidei para esconder-se das inquietas gotas logo ali, embaixo da árvore do balanço.

Esqueci-me de recolher a toalha que secava no varal.