2. UM DIÁLOGO PARA SER INVENTADO
Edison Veiga
 
 

- Que espera, ali?

- Godot.

- Godot?

- Godot.

- Perde, tempo. Ele, não vem.

- Perco não.

- Como?

- Sei que ele não vem.

- Então perde, tempo.

- Perderia se não o soubesse...

- Você, acha?

- Se não o soubesse, esperaria à toa. Sabendo-o, espero.

- Mas por, que espera, se o sabe de sua, não-vinda?

- Por isso espero. A espera autêntica o é pela própria espera. Um fim em si.

- Filosofias, agora?

- Sim. A espera em si não existe pela concretização do esperado. A espera em si é o prazer inerente à sua condição precípua da chegada. A espera intransitiva, não-objética. A espera polissemântica, em que todos os significados convergem para si. Observe só a...

- O, quê?

- Calma, não se precipite. Seja menos afoito, ó Traficante. Observe só o prazer telúrico de esperar. Quando o som espera, nasce o silêncio. Quando o sol espera, nasce a noite. Se não a houvesse, ficaríamos barulhados e solonentos por toda a existência.

- Sonolentos quer, dizer? Por isso gosto, de vender livros, não de, ler. E se a, venda, fosse esperar, não, haveria dinheiro para, sustentar.

- Mas quando o dinheiro espera, nasce a fortuna.

(Como seus livros eram piratas, o Traficante de Livros padecia sérios problemas de vírgula. Tomava doloridas injeções na coluna cervical, mas nada parecia solvê-lo.)