MARACUJÁ
Carla Deboni
 
 

Mamãe,

Depois de dois meses, cá estou em busca de minhas próprias notícias. Escrevo-te somente porque não sabes ler e assim a saudade dói menos. Quando receberes esta carta, acreditará ser mais uma conta a ser paga e já consigo imaginar teus olhos à procura de algum número que, pensarás, é o valor que deves. Não te preocupes: no final dela colocarei alguns algarismos para que te tranqüilizes.

Quando lembro da terra que chamam “lá longe”, confesso que de repente sinto vontade de entrar no primeiro ônibus e voltar para casa. Mas lembro-me de que ainda é cedo e de que corro o risco de cometer os mesmo erros que acreditei ter abandonado na partida. Aqui, nesta terra de ninguém onde me sinto um perdido alguém, a sobrevivência não é nada fácil. Sinto-me numa contínua inadequação e vejo que os laços de outrora já se enfraquecem e que a única alternativa é buscar outros braços amigos que me ofereçam aconchego mais próximo.

Mas já descobri que ainda existem outras pessoas especiais a serem descobertas. Quando acreditei que em minha vida já existiam todos os amigos que eu poderia conhecer, encontro outros mais, que ainda me fazem crer no ser humano. E eu, que não acreditava mais nem em mim, de repente vi-me com a insistência da alma. Talvez buscar novas figuras no meu álbum seja mais do que uma necessidade: é uma forma de profanar as recordações e torná-las menos presentes.

A verdade é que às seis da tarde, hora inevitável das chaves na porta, percebo que ninguém me espera para o jantar e que a moça que comigo divide o quarto continua dormindo, rosto voltado para a parede. É quando me lembro do cheiro de maracujá no quintal, da mesa sob a tarde que se vai em segredo e do Poli a latir para uma abelha qualquer.

Quero que digas ao papai que não, não me perdi: comprei um mapa com o nome das artérias e veias que se cruzam nos batimentos do meu peito e que algumas vezes terminam inesperadamente no soluço da contramão. A cidade é grande e meu olhar, ainda maior.

Não quero que penses que me sinto muito só: acostumei-me à minha sombra companheira e já compreendi que não tive perdas: fui perdida. Saí da vida dos que aí deixei e por isso os privei de minha companhia. Prefiro pensar que fui a que menos sofreu lesões com a despedida.

Não chores ao olhar meu retrato. Ainda sou a mesma menina que te pede bênção todas as noites. Nem penses que me esqueci de que te amo – é uma das poucas verdades que me fazem lançar-me ao trabalho todas as manhãs na esperança de que um dia te orgulhes de mim e digas: Ah, essa minha menina!

Aqui ninguém ouve Bethânia, mas prometo encontrar o disco que me pediste.

Da tua filha,

Eleonora

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