DECLARAÇÃO
AOS QUE AMPUTARAM MINHA VIDA
|
Edison
Veiga
|
Declaro, para devidos e indevidos fins, a quem interessar possa, que este documento não tem nenhum fim institucional nem oficial; que não será lavrado em ata, muito menos registrado em cartório; que não se justificará perante a Lei ou um tribunal qualquer; que não possui data de validade, expiração ou apodrecimento; que não deve ser lido jamais em voz alta, principalmente por gagos, afônicos e analfabetos; que não foi escrito para extirpar as dores ulteriores, uma vez que essas impossivelmente chegarão ao fim. Este documento visa tão somente a queimar as idéias antes que elas nasçam. Porque uma vez natimortas, deixarão de assombrar a inquietude humana. Antes, o desejo era embriagar-me de tédio, mas a tempo descobri que o tédio é incapaz de tal feito. Assim sendo, declaro que, a partir desta data, jamais me importunarei com os sentimentos alheios, as músicas de que não gosto, os poemas mal-escritos; viverei o dia como se fosse apenas um dia, numa ignorância plena do ontem e do amanhã; rirei à toa de todas as desgraças a que fui acometido, justa ou injustamente, mesmo porque não farei mais juízos; escreverei à vontade, emudecerei quando quiser, dormirei o bastante. Outrossim, reservo-me ao direito de permanecer intacto, inepto e insignificante, para o gozo pleno de minhas funções humanas. Publique-se. |