A
DO QUADRO
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Lia Abreu Falcão
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"Quem
não vê bem uma palavra
Mais um gole de vinho e aquela beirada de horizonte ficaria confortavelmente mais próxima do seu meio e daria para manter-se lúcida por mais uns dez anos quem sabe perto da imensidão do céu ou de um deserto de anjos que povoava seus melhores maus pensamentos. Deteve o choro e alguma lágrima ao lembrar que vivera mas nunca existira de verdade e queria sair dali soltar as amarras e andar pelas ruas como quem nasceu viveu e existiu. Agora possuía fleuma de amante e queria desparecer daquela rotina e repensar sua moldura. Estranhou quando não conseguiu e pelo que entendeu jamais conseguiria pois fizeram-lhe uma moldura estranha e forte onde todos que passavam cabiam dentro mas muito poucos notavam que ela queria viver e além, existir. Agora os transeuntes meneavam a cabeça quando a olhavam e ela não entendia o porquê. Decidiu mudar de tática e comportar-se como toda moça que vive dentro de uma moldura deve se comportar: emoldurada, sorriu o sorriso das sentinelas e das pessoas sem alegria. Agora ela já não era a mesma pois entendera o seu destino. A tristeza de antes era apenas pose, essa não: era real e doía. Agora via que as pessoas tinham um mesmo olhar e a miravam como quem mira o inanimado e das janelas idênticas a sua dela ela sentiu doer seu coração.
Com uma lágrima no olho esquerdo ardendo e outra no peito foi impedida de chorar, podia apenas refletir: e era perfeita a composição das cores que refletia de dentro do seu quadro e de sua eterna moldura. Foi vendida a preço vil em hasta pública e arrematada por um parente distante que nunca ouvira falar em Toulouse-Lautrec ou Renoir. Êta vida impressionante, meu Deus! |