UM PICOLÉ AZUL
Carla Deboni
 
 

Carolina nunca havia nadado antes. Fora os banhos de mangueira no jardim, o contato com a água ainda guardava o mistério dos viajantes sem destino, que dificilmente reaparecem em mais de uma estação. Os dias de chuva eram como mágica para o olhar infantil, que na janela velava pelo sono das gotas que ao chão se lançavam suicidas.

E agora lá estava ela, diante de tanta água de uma só vez! Era como se todo o céu de repente viesse descansar sobre a Terra depois de tantos anos pendurado nas nuvens. As outras crianças atiravam-se às ondas numa intimidade que impressionou o coração de Carolina, descompassado dentro do maiô da menina de cinco anos que via pela primeira vez o mar.

Enquanto o pai se distraía tentando montar o guarda-sol, Carolina aproximava-se das ondas, vencendo os passos na areia que a separavam de tamanho universo. Foi quando a água de mansinho molhou seu pé, numa fria lambida de boas-vindas. Aos poucos a menina que não conhecia o nado, mas que tudo já sabia sobre o nada, entregou-se ao embalo do vaivém da espuma, e deixou-se levar.

Com uma das mãozinhas no nariz, acreditou guardar ali todo o ar que pôde, e no ápice da descoberta, pôs a cabeça sob a água de olhos fechados. Silêncio. Era como se todo o barulho da praia de repente não existisse mais e ela inconscientemente reconheceu com saudade a proteção do ventre materno que deixava lá fora os homens escalando os ponteiros das horas.

Como todo momento de êxtase, logo ela teve que retornar à tona para que o pulmão se alimentasse. E assim foi a tarde toda, o sobe e desce dos cabelos ainda curtos que imitava o mesmo movimento das ondas, que se espreguiçavam cada vez mais.

Hora de partir. Num pouquinho d’água, tentou roubar o azul daquele dia, que em segredo guardou no palito do picolé que agora ela lambia no caminho de volta pra casa. E na conchinha que levava na outra mão ela sabia que, se a levasse ao ouvido, poderia escutar mais uma vez o mar chamando o seu nome devagar, como numa ciranda.