OS PICARETAS E OS OTÁRIOS
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Ronaldo Torres
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Na periferia de Salvador havia um terreiro que incorporava um caboclo muito especial e, por causa dele, as filhas-de-santo viviam um frisson mediúnico. Aristobaldo, criado na malandragem suburbana, preocupou-se com a assiduidade da sua esposa ao tal terreiro, principalmente nas noites que o tal caboclo se manifestava. Resolveu tirar a história a limpo. Chegou ao terreiro quando os atabaques esquentavam o couro. Parou na entrada e ficou observando o ritual. Só havia mulheres no terreiro. Vinte minutos passados, batuque a todo gás, o pai-de-santo entrou em transe. Silenciaram-se os tambores e ouviu-se uma ordem: Fechem a roda que baixou o cabôco Chupa-Peito! As filhas-de-santo fizeram uma roda em volta do manifestado, seios à mostra, em oferenda à entidade. O pai-de-santo seguiu um volteio lascivo, mamando uma a uma, arrancando gritinhos excitados das mulheres. Ao se aproximar da mulher de Aristobaldo, este também entrou em transe, pulou no centro da roda, e gritou: Abram a roda que chegou o cabôco Come-Cu do cabôco Chupa-Peito! O caboclo Chupa-Peito deu um pulo por cima das mulheres e saiu em desabalada carreira. Nunca mais ousou baixar nos terreiros daquelas redondezas. Em 1987, Leidinaura terminou o namoro e caiu em prantos. Amava o namorado e tudo faria para tê-lo de volta. Um dia, andando pelo Centro de Maceió, recebeu um panfleto que falava dos milagres feitos pelo Pai João de Xangô, inclusive, retorno de amor perdido. Não contou conversa: pegou um ônibus e foi ter com o pai-de-santo, no bairro do Poço. Depois da entrevista, o babalorixá a encaminhou a uma sala sem móveis e mandou tirar a roupa. Ele iria purificar o seu corpo e invocar as entidades do amor impossível. Quando tais entidades se manifestassem, Leidinaura teria que ceder aos caprichos dos entes superiores, sob pena de não mais ter seu amor de volta. Segure essas duas velas e empine as ancas. Quando se sentir possuída pelos orixás, grite o nome do seu namorado instruiu o Pai João de Xangô. Durante várias semanas o ritual se repetiu e os vizinhos, incomodados com a gritaria de Vem Beva! Vem Beva!, resolveram chamar a polícia que chegou a tempo de flagrar o pai-de-santo enrabando uma menor. Beva, o ex-namorado, envergonhado, se mudou para São Paulo. Leidinaura, presa em casa pelos pais, só voltou a ver a rua nove meses depois, quando saiu para a maternidade pública. Incautos e otários existem em todos os lugares, principalmente nos que se atém aos preceitos religiosos. Aliás, são nas religiões que se proliferam mais, pois o povo busca nas divindades as explicações para seus erros e desacertos, sempre creditando a um ser superior a má condução do seu destino, ou então, buscando nele o caminho mais rápido para se dar bem na vida. Baseado na cegueira fanática das religiões, é que alguns espertalhões montam verdadeiras empresas de exploração da Fé e nelas chupam todo o sangue dos ingênuos. Muitos são convencidos a sacrificar os seus próprios filhos, em nome de uma riqueza de espírito e demonstração de fé para os seus deuses, cujo prêmio virá em forma de bens espirituais e materiais. No início dos anos oitenta, a Bahia ficou horrorizada com a barbaridade de uma seita, em que mais de uma dezena de pais sacrificaram os filhos no mar de Piatã. Presos, os pais não mostravam nenhum arrependimento. Um deles chegou a contar à polícia que o seu filho chorava e implorava para não ser morto junto com as outras crianças. Recentemente vimos na televisão o julgamento de uns monstros que matavam crianças para tirar os órgãos genitais, que seriam usados em rituais satânicos. O que causa mais horror é constatar que, entre eles, havia policiais e um médico, sendo que, este último, era o responsável pela extirpação da genitália de suas vítimas. Os maçons, movimento criado na França cujo significado é pedreiros livres, foram os principais responsáveis pela derrocada da monarquia francesa. A laicidade fazia parte do seu dogma. Isso atemorizou a Igreja que, se colocada a termo, perderia o domínio sobre reis e rainhas e, por extensão, sobre o povo. Quando a maçonaria saiu vencedora na Revolução Francesa, a Inquisição aumentou severamente a perseguição aos seus membros sob a acusação de práticas hereges, principalmente em Portugal e suas colônias. O mesmo se deu com os judeus. A Igreja queria vingar a morte de Cristo e, tal qual a fábula do Lobo e o Cordeiro, todo judeu era culpado pela condenação do Filho do Manda-Chuva celestial e assim merecia padecer do mesmo sofrimento. Se o Homem de Nazaré descesse à terra novamente, certamente seria um cético, descrente das propostas dogmáticas das religiões, com fé apenas numa entidade suprema a qual nos fez livres para pensar, amar e adorar apenas a Vida, pois é ela que representa o verdadeiro milagre divino e cabe a nós, seres vivos e pensantes, a condução do nosso próprio Destino, sem esperar a interferência de um ser superior, pois esse ser somos nós. Quem não é capaz de reger a sua própria áurea terrena, não terá passaporte para os Campos Elíseos. O seu destino é vagar sem rumo, à procura de ídolos travestidos de pastores que prometem mundos e arrancam fundos até deixar o pobre de espírito, pobre de Jó também e verdadeiramente enterrado em sua fraqueza humana. Culpam Deus pelos seus erros ou acertos, e acham que a maldade existente no mundo é coisa exclusiva do Diabo, sem nada a ver com a sua velhacaria criminosa, que será perdoada com uma doação ao pastor, um ato de comunhão e uns míseros centavos colocados nas cuias dos pedintes nas portas das igrejas. Cínicos e degenerados, os fazedores de milagres sequer conseguem imitar a consciência dos crocodilos. Estes, ao menos choram quando devoram suas vítimas. |