Atarantada,
Tamires tomou outro trem lotado para cumprir sua obrigação
de chegar ao trabalho três pras oito em ponto. O trânsito
de trens é muito estranho se comparado ao fora dos trilhos. Não
tem maloqueiro no sinal fechado vendendo bugigangas, não tem
placa de proibido estacionar, não tem amarelinho, não
tem multa pra quem entra na contramão. O trânsito de trens
é um monte de não-tens. Só tem aquela gente nojenta,
lotada, se esfregando no corpinho tenro de Tamires, dezessete anos,
desde os treze tomando trem sozinha.
O corpinho tenro de Tamires é um capítulo. Para entender,
basta tirar suas roupas. Ela treme um pouco frio e fica
outro pouco trêmula vergonha mas tudo bem. Os bicos
entumecidos de seus peitinhos rosados de caber na mão encantam
tanto que dá vontade que o momento congele num talvez, só
pra que a vista não se interrompa nunca. E há os claros
pêlos eriçados, fininhos, bem no entremeio abdômen-púbis.
E há vire-se um pouco, Tamires a redondidade perfeita
da bunda. Durinha como deve ser. Macia como deve ser. Com uma marca
de biquíni, sutil, que entrega onde ela curtiu o último
feriado e também revela que, precavida, Tamires passou protetor
solar fator vinte.
Voltemos ao capítulo chato, o trânsito Tamires casa-trabalho,
diário na ida, noturno na volta, semântico em ambos. Ali
as pessoas se amontoam, os contatos camuflam a necessidade antifísica
de dois corpos compartilharem o mesmo fútil espaço útil.
Tamires não namora, só teve uns atiradinhos esporádicos,
nunca nada sério. Tamires não tem namorado mas não
lhe faltam candidatos. E não é que ela seja por demais
seletiva talvez até o contrário. Tamires é
seduzida o tempo todo pelos embalos aflitos e incontritos. E Tamires,
não nos esqueçamos, tem um corpinho tenro, lindo. Que,
no fundo, gosta de contrariar a física ao dividir com outro o
mesmo espaço.
O corpinho tenro de Tamires, não nos esqueçamos, não
nos esqueçamos, é o mesmo que deixamos sem roupa para
a mais profunda análise. Contém feromônios bastante
atraentes. Há uma simetria perceptível e alguns segredos,
tais como uma pequena pinta logo acima do umbigo e uma manchinha à
toa, natural sob o seio direito. Tem também uma cicatriz solitária
e minúscula, de quando tropeçou e cortou um pouquinho
a testa, bem perto de onde começam os fios de cabelos castanhos.
Tamires é um tentador corpo. Não passa disso, tolinha.
Eu mesmo, na privilegiada condição de escritor atento,
só estou esperando o próximo verão. Com dezoito
anos, Tamires estará pronta até perante a lei.
Novamente, Tamires de frente. É possível contemplar as
suas saliências, seus contornos alvissareiros que da doçura
do queixo vão terminar no tornozelo do pé esquerdo. Bem
no centro do mundo e engana-se quem pensa que é no geograficamente
central umbigo está a maior fonte natural de prazer. Um
transistor, o clitóris. Pelo dela passaram até agora três
mãos, duas línguas e apenas um você-sabe. Nenhum
deles cuidadoso a ponto de em encantá-la como deveria, como ela
merece. Todos principiantes, precipitados, principalmente injustos.
Egóicos em exagero. Indispostos ao. Ineptos ao. Inéditos
idiotas.
Tamires, que sequer alimenta a cabeça com isso, desce do trem
e já está vestida novamente. Pronta para mais um duro
dia de trabalho.
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