DA COR DAQUELE CÉU
Lia Abreu Falcão
 
 

Não quero ter que habitar
Um corpo estranho e sem jeito
Assim lânguido assim tépido
Assim pálido ou senil
Quero a magia do sorriso
De quem nasceu satisfeito
De quem serviu a senhores
Sem jamais se tornar servil

Quero povoar-me dessa menina
Antiga que ora me habita
E nunca me deixou sozinha
Nem por um breve adeus
Pássaro Nêmesis sobrevivente
De dez mil laços-de-fita
Guardaste o primeiro retrato
Deste meu pobre rosto no teu

Só contigo me atrevo a voar
E a entoar as coisas loucas
Como uma única voz um só eco
Ou um só vão de pensamento
Chego a rir das feridas
E a celebrar a vida pouca
Enxergando em um poema
Cura e melhor ungüento

Quando enfim empinarmos
Todos os nossos versos
- pipas de uma vida -
E sob um sol que se abrasa
No frio céu de cobaltina
Vier implacável a lembrança
Da infância então perdida
Cantaremos - de memória -
Nossos folguedos de menina!

 
 
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