Sempre
odiei a professora Bárbara do Carmo. Porque ela ensinava semiótica
francesa, quando devia se ater somente aos solecismos jornalísticos;
porque ela ensinava semiótica francesa e eu sempre preferi a
norte-americana. Porque ela fumava cigarros que não da minha
marca favorita. Porque ela defenestrava os alunos que apareciam vestidos
de amarelo mesmo em dia de copa do mundo.
Sempre odiei a professora Bárbara do Carmo:
- Edison, não disse que se você chegasse atrasado mais
uma vez, estouraria em faltas?
- Mas professora, a senhora precisa entender...
- Entender o quê, menino?
- A senhora sabe que eu tenho uma tartaruga, né? O nome dela
é Tar, de tartaruga. Na verdade não é bem uma tartaruga,
assim, mas é um réptil quelônio, só que terrestre.
É um jabuti. Jabuti-piranga, se eu não me engano. Veio
lá da Bahia, do sertão.
- E o que que tem isso a ver?
- Deixe-me acabar. Daí que um bicho desses deve viver mais de
cem anos. E, como a Tar completou seu quinto aniversário mês
passado, tinha a certeza de que ela seria legada aos meus netos. Só
que, esta manhã, a Tar morreu. Você não pode imaginar
a tristeza...
- Ahn.
- Daí que velório, essas coisas, tomam tempo. Daí
que atrasei. Juro que não estava dormindo até às
9h40 quando a sua importante aula começa pontualmente às
8h, 8h15...
- Sei...
Sempre odiei a professora Bárbara do Carmo. Fazia questão
de lhe assoprar baforadas de bons cigarros na cara, escolhia a dedo
minhas roupas amarelas para satisfazê-la e caprichava nos comentários
avessos à sua ideologia francesa. Sempre. Porque sempre odiei
a professora Bárbara do Carmo. Ela vestia um par de óculos
cor de superbonder e, pela espessura aparente, devia sofrer com uns
oito graus de miopia do lado direito e uns seis e setenta e cinco do
lado esquerdo. Se narizes também fossem passíveis de miopia,
ela certamente a teria em suas narinas salientes, disformes. Como não
as são, preferia exibir um leve desvio de septo.
Sempre
odiei a professora Bárbara do Carmo, principalmente dois dias
depois de ela ter me dito que jamais se deitaria com um homem branco
como eu, ainda que fosse dotado do mais capaz objeto direto. Sempre
odiei a professora Bárbara do Carmo, e meu sonho era escrever
esta frase umas cem mil vezes, para que toda a humanidade a decorasse.
E quando ela, mais uma vez, se botar a ler Thomas Mann ou qualquer autor
de sua predileção, antes iria encontrar na contracapa:
sempre odiei a professora Bárbara do Carmo.
Mas foi em seu ventre que se nasceram os nove gnominhos de minha imaginação.
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