FOME DE NOTÍCIAS
Edison Veiga Junior
 
 

Famigeradas sopas de jornal continuavam sendo a base alimentar daquela família. Com uma importante diferença: o menino mais novo, sete anos, não sabia ler as manchetes que comia todos os dias.

- Cê precisa matriculá o Jeremia na iscola, cumádi... – dizia Filomena, a vizinha astuta.

- Deixa disso, cumádi. Perdê tempo pra quê? Qui im casa ele mi ajuda e dispois inda tem tempo pra ganhar uns troco como engraxate...

Todos os meses, Maria das Dores recebe a importância de 50 reais, a título de ajuda, do Governo Federal. O dinheiro, mero paliativo que não combate a pobreza estruturalmente, vem fácil, sem exigir nenhuma contrapartida – Jeremias continua analfabeto. A não ser, é claro, o voto, garantido. Maria das Dores já sabe quais botõezinhos apertar na urna eletrônica, muito bem, clap clap clap.

Nos últimos quatro anos muitos assuntos foram engolidos por Maria das Dores, Jeremias e seus outros oito filhos. Alguns, ela até chegou a bater o olho e tentou compreender as letrinhas. Outros, nem percebeu. Jeremias não entendeu nenhum deles. No dia em que almoçou uma página com a foto do Delúbio Soares, tinha ouvido umas coisas estranhas no rádio e perguntou:

- Manhê! Que qui é mensalão?

- Num sei, fio, num sei. Mais si é grande deve di sê coisa boa... Credite: vai miorá a vida da gente...

Achava engraçado quando no prato estava a careca reluzente do Marcos Valério e a sopa de jornal virava sopa de letrinhas com José Adalberto Vieira da Silva, aquele dos dólares na cueca. Devorava apetitosamente Palocci, Gedimar, Zé Dirceu e tantos outros homens, digo, nomes. Nomes feios, avessos.

Um dia, Jeremias ouviu discurso de político quando engraxava sapatos de algum bacana.

- Manhê! Que qui é honestidade?

- Ih, fio, num sei. Di onde cê tirô isso? Acho que num ixiste...

- I ética?

- Ai, essi minino, viu!? Ingora deu pra ficá doidinho, só inventano palavra...

E voltou para sua panelinha velha no barraco, a cozinhar o jornal de ontem com a foto de um presidente sorridente, gordo e barbudo, apedeuta a debochar da ignorância que o elegeu.

Ah, se a memória não fosse tão curta e a informação tão mal-distribuída, Maria das Dores entenderia que Fome Zero mesmo só nas comilanças da Granja do Torto, cujo churrasqueiro... Bem, ela não sabe de nada – e, nisso, se assemelha ao presidente. Agora tem que acabar logo seu almoço de jornal para, em seguida, correr para a escola onde seu filho jamais estudará. Sabe de cor quais numerozinhos apertar para que uma foto parecida com a de seu almoço apareça na tela. Aí é o verde. E mais quatro anos de paliativos para palitar os parcos dentes que lhe restam inteiros na boca.