ABIÓTICA
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Lia Abreu Falcão
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"Não
quero ter a terrível limitação de quem vive Roupa suja e uma vida por lavar à seco continuam emboladas num canto qualquer de um cubículo formado de livros, idéias, fomes e muitos papéis empoeirados aquinados num quarto de dormir eternamente desmantelado e em desuso. Houve muito abandono superado ali e muito desrespeito aos seres que habitavam aquela quase caverna. Tornaram-se, mais propriamente, um depósito de esterco: não aprenderam a fazer amigos e a influenciar pessoas como mandava a mediocridade reinante do manual de etiquetagem de Dale Carnegie. Pena e vergonha. Luta inócua. A música já não diz mais nada. A arte nasce estagnada. A vida anda perdida em mil conjecturas. Os robôs comandam as normas e não podemos dizer mais se somos ou não felizes sem que eles nos autorizem. [Robôs vivem impregnados de falsas humanices e decências codificadas. Tudo cheira à imundície...] Já não há muito a fazer. As verdades difíceis, serão apenas sentidas e, aos poucos, tristes e azuis, se calarão resignadas. As fáceis, serão programadas para os dias ruins todavia não farão o menor sentido. Num mundo ideal as pessoas como nós fariam sentido. Você e eu, sujos e loucos, faríamos sentido. Nossa verdade inventada faria todo o sentido do mundo. E o que temos seria chamado de exuberância. Seríamos rima e também solução. Mas não. Não estamos no mundo ideal e vivemos num sub-projeto de Plutão. E não cogite em lavar essa estranha roupa suja. Estamos ambos empoeirados de memórias e dos sons que saem desse seu cubículo sujo e desmantelado. Dispa-se confortavelmente de mim e dessas memórias. Sem medo. [O medo é abioto e nos deixa ocos por dentro, como marionetes repletas de um grande vazio e com aquele olhar de quem sente só as dores grandes]. Dispa-se. Não temas ficar nu de mim e de minhas pequenas verdades bobas. [Verdades inventadas e todas as mentiras sinceras sempre me interessarão. Sério e muito!]. Do lado de cá, estamos todos nus e limpos. Não tememos mais nada e não há falta de sofrimento algum. As verdadeiras sujeiras [essas que nos fazem tanto mal e que os homens inventaram pelo prazer de poder inventar sujeiras] ainda que mil vezes lavadas, jamais limparão. O resto, você sabe: pode e deve ser passado... À seco. |