MANIFESTO DA PAIXÃO
Pedro Brasil Junior
 
 

Podemos definir a vida de várias maneiras, dependendo é claro, do ângulo em que nos encontramos em relação a ela.

Podemos definir a paixão de uma só maneira, como um impulso repentino que faz entrar em erupção nosso poderoso e até então adormecido vulcão interno.

Somos vivos e inteiramente químicos. Chegamos, vivemos e partimos!

Muito pouco para os anos todos que regem nossa passagem...

É preciso viver a vida intensamente, já disseram poetas, críticos, roteiristas de cinema, religiosos e gente comum como a gente.

Eu devo concordar que tal intensidade é pura magia e acontece com todos nós num determinado instante da existência. Alguns tem a sorte de vivenciar isso mais de uma vez, quer por puro golpe de sorte ou por uma coragem monumental que instalou-se no coração.

No meu caso, esses impulsos mudaram para sempre algumas passagens da minha vida e deixaram marcas profundas que o tempo foi tirando, assim como as escritas na areia da praia, que as pequenas ondas se encarregam de apagar.

E onde estou agora? Caminhando numa praia, tranqüilo, respirando aquele ar puro, sentindo a brisa no rosto e molhando os pés na água enquanto procuro uma bela concha. E verdade seja dita: uma bela concha não é sempre que aparece, assim como uma ardente paixão. Mas vou deixando minhas marcas na areia e entre o vai e vem das ondas, muitas conchas rudimentares rolam quase até os meus pés. Nada de interessante! E sigo observando o vôo das fragatas, a dança das nuvens no horizonte e as canoas dos pescadores desafiando a força das ondas maiores. Um alívio o que posso viver, longe da turbulência do trânsito, distante dos celulares e de todos aqueles compromissos que transformam a vida numa escravidão sem precedentes.

De repente... uma bela concha surge rodopiando e me hipnotiza por sua rara beleza. São frações de segundos que mais parecem uma existência toda. Quando me abaixo para pegá-la, outra onda surge sorrateira e a carrega, para meu espanto e insatisfação.

É isso! A paixão é bem isso! Algo tão momentâneo que é preciso ser tão ágil quanto o salto de um tigre para agarrá-la.

Verdade que em nossa vida ela dura bem mais tempo do que uma fração de segundo no entanto, e estando no meu ângulo, não me intimido em fazer tal comparação afinal, minhas paixões foram tantas que é difícil definir qual delas durou mais ou se até mesmo, foram assim tão reais e tão intensas.

Mas minhas “conchas” de vida me encantaram, cada uma delas por atributos próprios daquele momento. Olhos verdes, peles morenas, cabelos cacheados, corpos torneados, lábios provocantes enfim; cada uma conforme seu jeito próprio, capaz de hipnotizar por uma fração de meses e de me levar a promover mudanças em minhas atitudes todas. Eu diria que tudo não passa de um encantamento que só faz bem para a vida.

E o tempo lá se foi e em mim, ficaram essas marcas de passagens vorazes, desses seres quase alados que arrebatam o tesouro maior que está lá dentro. Momentos inesquecíveis que por certo acontecem todos os dias, em todos os lugares desse imenso planeta.

Hoje, quando me pego a pensar na voracidade dessas paixões, sinto uma certa ansiedade interna, como se faltasse um pedaço meu, ou vários deles, que alguém levou consigo para sempre. Peças do meu quebra-cabeças que estão por ai, pelo mundo, devidamente resguardadas nas lembranças das outras partes que num determinado instante da minha passagem, preencheram meu espaço, meu tempo e encheram meu coração de alegrias.

As feridas viriam depois mas elas, acabam, cedo ou tarde, cicatrizando afinal; a vida continua e essa poderosa química, tão necessária à felicidade, está sempre à nossa espera, numa dessas esquinas da vida ou numa dessas imensas praias onde num instante, a mais bela concha surge do nada, encanta nosso olhar e desaparece com todos os seu segredos para sempre.