OS OUTROS NOVENTA E NOVE
Lia Abreu Falcão
 
 

"A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela Vida"...
(Vinícius de Moraes)

O Poetinha falava do que vivia e falar do que vivemos nem sempre é fácil. Aliás, é sempre bem difícil. Digo isso porque fui instada a escrever muito cedo na vida. Não tive escolha nem acalanto. Bênção acompanhada de maldição, segundo Truman Capote.

A bênção da arte do encontro comigo mesma e com o outro, se e quando me faço entender (e o abstrato sentimento se concretiza na folha branca do papel ou na tela branca do computador) eis, então, o meu convite para um Encontro e uma Viagem.

Cada vez que um amigo ou um anônimo, encontra-se naquelas palavras arrumadas e organizadas pelo meu senso estético próprio, ali brindaremos, silentes mas felizes, à Arte do Encontro da qual falava o Poetinha. O contrário, é maldição de arte não atingida. Frustração, angústia e auto-flagelação. Assim diz o Capote.

Sob o pavor de deparar-me com a maldição do não-encontro, é que tenho procurado fazer dos meus escritos uma forma de achegar-me ao outro, diminuir as distâncias impostas pelo convívio social, resgatar-lhe a confiança no olhar sincero sobre a nossa frágil humanidade e dizer-lhe que somos semelhantes: não há que se ter pânico dessa intimidade nem pavor dessa contemplação recíproca.

Acredito na Vida. Sou, por essência, uma believer. Nefelibata. Acreditante nas possibilidades de redenção da raça humana via intersecção saudável e conjugação de idéias e ideais.

A Vida nos espreita e convida a essa viagem pelo mundo que pode ser o meu, o seu ou o nosso. Dependerá de cada um. A escolha entre o ceticismo e a crença determinará se faremos a viagem confortavel ou miseravelmente. Não nessa ordem. Há os céticos felizes e os crentes miseráveis. A única verdade está dentro de cada um e essa sim, é a grande viagem. Conhecer-nos para que saibamos que tipo de viajores somos e que tipo de viagem nos será mais aprazível.

Pessoalmente, prefiro viajar em grupos. Gosto de gente e gosto do que o contato humano proporciona, com toda as nocividades que daí possam ser geradas. Prefiro aprender com o contato do que ignorar as grandezas e vicissitudes da alma humana. O ser humano me atrai. Profunda e desesperadamente. Ainda não conseguiram me dissuadir da idéia de redenção atrelada à melhoria do fator humano: o que seria flagelo, torna-se ponte; o que seria só angústia, torna-se certeza e alegria! O que mais se pode querer? A verdade. Ahh, essa é a grande viagem.

Descoberto isso, "tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo" o que me faz ter coragem de ser e não me deixar enganar por outros caminhos aparentemente mais fáceis e aprazíveis: minhas verdades fizeram a minha trajetória, eis que a vida é a arte da escolha.

Acredito no Encontro, na intersecção, na redenção da raça humana através do ser humano melhorado. Esse foi o meu percurso até aqui. Entre cem caminhos, escolhi esse e convivo com "a nostalgia dos outros noventa e nove". A escolha em si não é o caminho. É um meio de trasporte. A viagem mesmo é escolher o seu caminho e ter a ousadia de conviver com os outros noventa e nove.

Sábias palavras do meu querido Fernando Sabino.

 
 
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