BOCA OCA
Carla Deboni
 
 

A comida acabou, a sombra das sobras da última mordida está caída ao chão, juntamente com os farelos que entram embaixo da unha cada vez que se tenta pegá-los. O prato limpo, a boca mais limpa ainda depois de tantas lambidas em busca dos resquícios de comida.

Faz frio, e assim como o estômago, a rua está oca. Os pêlos arrepiados de frio, o cabelo despenteado depois de tantas indas e vindas, os pés descalços depois que o último par de sapato perdeu sua sola numa rodovia da qual já esquecera o nome. Aliás, não lembrava nem mais seu nome, tanto tempo já não lhe chamavam por ele.

A barriga roncando. De repente, um rato no canto do banco da praça. Antes indeciso, resolve pegá-lo. Examina o animal como se visse a si mesmo, num espelho. Pensa em soltá-lo, mas a fome é grande. Ai, meu Deus, não consegue evitar de levá-lo à boca.