MUSA PROFANA
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Pedro Brasil Junior
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Muito antes da nossa história, milhares de pessoas no mundo já haviam escrito as suas de todas as maneiras possíveis e inimagináveis. Este hierofante e insólito habitante do mundo, vulgarmente conhecido por "Amor" já foi capaz de levar homens e mulheres à loucura e as mais inusitadas aventuras do existir. Razões tão fortes que resistiram as pestes que assolaram o mundo, que ludibriaram todos os horrores das guerras, que encurtaram distâncias, que promoveram duelos mortais e que continuam a ser um dos maiores motivos da incansável procura de um pelo outro. Muito antes da nossa história, alguém escreveu páginas em meio aos girassóis da Rússia ou pelas areias da costa australiana. Outros tiveram a audácia de fazer isso escalando as mais altas montanhas do planeta e alguns, desafiaram enormes ondas à bordo de embarcações de papel. Muito antes da nossa história, damas na janela abriam leves sorrisos e cavalheiros de cartola imaginavam as cenas com sua pretendida. E o tempo nem tomou conhecimento desses livros todos que ocupam as infinitas prateleiras da biblioteca da vida. Amar sempre foi a razão maior de todos os homens, em todos os tempos, perante os costumes mais liberais e os mais repressivos. O amor já foi amigo e inimigo e também já foi caça e caçador. O amor já uniu sangues almadiçoados e trouxe ao mundo uma nova espécie. E ele, este senhor imponente em sua majestosa carruagem, já promoveu os encontros mais inusitados, mais inesperados, mais inimagináveis, em todos os cantos e lugares. E foi em razão de suas andanças que o mundo cresceu a 6 bilhões de humanos, não importando o fato dessas uniões terem sido com amor ou sem ele. Quando na forma dos deuses, o amor acorrenta corações. Quando é caça e caçador, apenas o instinto é quem se apresenta. Ilusões criadas, ilusões vividas, ilusões perdidas... Quantas ruas de ilusões perdidas existem no mundo? Nenhuma pesquisa nos ofertaria uma estatística precisa. As ilusões perdidas são os lampiões da alma que um vento qualquer encarrega-se de apagar e assim, fica-se no escuro, perdido, quase um morto-vivo. Damas e cavalheiros de todas as noites, em todos os lugares nasceram assim, dessas ilusões perdidas, que rasgam o coração como as garras de um tigre rasgam sua presa. Mas isso também são histórias... Se a felicidade fosse constante, se todos fossem ricos, se ninguém fosse acometido por uma doença, se ninguém sentisse o sabor de uma perda, certamente que a vida não teria graça e viveríamos dançando sem que tivesse uma música. Ah! O amor! - Herói e vilão! Um profeta que invade a alma e nos induz a seguir um rumo até que aja o encontro. Daí, nasce uma nova história e lá se vai um livro para aquela gigantesca estante. Muito antes da nossa história, tantos já haviam escrito as suas. E quantos nasceram pelo amor e quantos por ele até perderam a vida. Mas o mundo para evoluir, precisa mexer com todas as emoções, enfrentar todos os preconceitos, misturar as raças, enfrentar costumes antiquados, regimes autoritários, epidemias e campos minados. Muito antes da nossa história, por certo que havíamos nós. Apenas você e eu em trilhas diferentes. Mas o amor promoveu nosso encontro e nós escrevemos uma história cujo livro lá está... Hoje, não é possível saber exatamente em que capítulo paramos embora, a história esteja sendo escrita sem muito sentido. Não podemos apostar nos sonhos e nem tampouco assinalar esta passagem como mais uma dessas ilusões perdidas. Talvez eu seja um templo sagrado e você uma exploradora de segredos, apenas. E como todo explorador é profano, percebo que minhas verdades, minhas virtudes e todo o esplendor do meu amor estão há muito em suas mãos. Mas estas qualidades foram escritas no mais puro cristal, na linguagem mais estranha e praticamente indecifrável. Por mais que te pareça óbvio e simples, você sabe que não consegue decifrar os sinais e, além disso, ficou com toda certeza em algum lugar do meu templo, a chave que permite escancarar os horizontes que resguardam todas as outras histórias que vivi em minhas passagens pelo universo. Porque de tudo, tenho comigo a plena certeza de que já havíamos escrito outras histórias, muito antes do nosso último encontro e assim, me deixo levar pela expectativa de que um dia, você desvendará finalmente o grande segredo que tanto buscava e não se surpreenda se acabar encontrando tua própria imagem num desses templos esquecidos pela eternidade. |