ESTAÇÃO MELANCOLIA
Pedro Brasil Junior
 
 

Teve um dia em minha vida, em que abri a porta e deparei com uma dessas manhãs ditas normais ou rotineiras.

Tudo nos devidos lugares! O carteiro em sua bicicleta e os cachorros agitados com a sua presença. As crianças indo para a escola, o conferista da água anotando números, o vendedor de verduras batendo porta a porta e as senhoras de idade na esquina colocando as fofocas em dia.

E eu fiquei na porta olhando todas as cenas enquanto me perdia num vazio imenso e numa dúvida tão crucial quanto saber ao certo a origem do homem.

Se era uma manhã assim, tão normal, para mim não era nem ao menos uma manhã ou tarde. Acho que no vazio e na solidão não existem parâmetros. Parece que tudo é apenas e tão somente uma linha reta que nos leva exatamente onde estamos.

Naquela manhã, não haviam pontos cardeais nem colaterais. Apenas o efeito colateral de um tempo tão atribulado e duvidoso que descarregava justamente ali toda a parafernália de uma busca pela paz e pela tranqüilidade. E isso tudo não durou mais do que preciosos cinco minutos.

Apenas meus cachorros é que ficaram sentados me olhando sem entender nada e aguardando a oferta de um pão.

E aquela foi mais uma manhã apenas!

Tantas outras repetiram-se que perdi a conta. Mas isso não vem mais ao caso afinal, Sol e Lua seguiram bailando pelo espaço enquanto as coisas aconteciam na Terra.

A estação melancolia havia chegado. Nela, ninguém para embarcar a não ser eu. Nela, nem um ruído diferente a não ser o meu próprio barulho. Havia sim um eco batendo pelas paredes. A reverberação de um grito que nem cheguei a soltar.

Embarquei sim, num trem desses que trafega lento e deixa a gente nervoso. Mas ele seguiu em seus trilhos e eu nos meus.

Haveríamos de topar com novidades, com mudanças pois, os cenários numa viagem mudam a cada instante.

Para me conformar, descobri que na melancolia havia um tanto de mel, embora as abelhas estivessem longe, visitando suas flores. E foi desse néctar que extraí as forças de que precisava para superar os obstáculos e chegar onde estou agora.

Me pergunto volta e meia, como é possível a melancolia ser doce se na verdade é tão amarga e assustadora. Talvez seja ela, tal qual o ferrão da abelha, dolorido na pele e mortal para ela. Defesa única e objetiva que exemplifica nossa estada onde quer que estejamos.

Mas a tristeza, o vazio e o frêmito do existir estiveram me rodeando o tempo todo. Ora no silêncio de uma madrugada, ora ouvindo uma daquelas músicas que conversam com a alma.

E na minha porta, observando a vida lá fora, fiquei estático e sem rumo por inúmeras vezes. Um suspiro, um roçar das mãos na cabeça e uma olhadela na distância do horizonte. Talvez por lá existisse o que eu tanto procurava...

Mas voltei ao dia e me fui pelas ruas da vida, com a melancolia à tiracolo e a esperança abrindo todos os portais.

Hoje, ao abrir minha porta, a cena era quase a mesma. Meus cachorros pedindo um pão, as crianças indo para a escola, o conferente da água registrando consumos, o vendedor de verduras de porta a porta, o carteiro em sua bicicleta, os cachorros agitados e as senhoras de idade cochichando na esquina sobre a vida de alguém.

E eu olhei uma vez mais para o distante e desta vez, peguei a rosa dos ventos e pude ver o meu norte, o meu rumo. Então consegui abrir um leve sorriso, ouvi uma canção tão parceira de horas vazias que agora, ela me preencheu a vida pela emoção. E os dias, embora rotineiros em sua maior parte, passaram a ser doces, suaves, tranqüilos. Mesmo com a melancolia tentando bater à porta para fazer uma dessas visitas incômodas...

Mas desta vez, quando retornei aos meus afazeres, havia duas abelhas voejando pela cozinha. Sinal de que o mel continua em essência ao longo da minha vida.