SUAVE COMO UMA DOBRA
Edison Veiga Junior
 
 

Era estranho morar numa dobra. Ali onde os ponteiros do tempo jamais se cruzavam e o remelexo do vazio podia ser sentido às folhas da pele, em arrepios que não títeres nem alicerçados. Morar numa dobra, sem sombra, sem sobra, era estranho.

Mas dava para brincar eternamente de pique-esconde, escorregar nos vincos, colher pó, visitar esperanças enrustidas, dormir sem travesseiro. Sistófeles se aproveitava:

- Cada obra é uma dobra que abrocadabro.

- Cadoquê?

- Porque se assopro, voa. Ué?!

- Sabinão?

E o maior medo era quando a dobra ia esticando, esticando, esticando. Se deixasse de ser dobra, passada assim a ferro quente, a existência sumiria. Eram os mais doces instantes de melancolia que Deus inventava.