CADA MACACO NO SEU GALHO
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Ronaldo Torres
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Na época em que eu tinha patrão, trabalhava como técnico de operação em uma indústria do ramo cloroquímico no Pólo de Alagoas. Operava uma unidade de alta periculosidade e insalubridade e, por causa desses dois pequenos detalhes, trimestralmente tínhamos treinamento de segurança industrial, aulas teóricas e práticas, que iam, desde as técnicas de ressuscitamento, ao combate direto ao fogo. Em uma das aulas teóricas, fomos apresentados ao novo engenheiro de Segurança, um pernambucano conversador, que assim se apresentou: - Meu nome é Gilson dos Santos, estudei Engenharia de Segurança no Trabalho, em Recife, Engenharia Mecânica, Engenharia Civil, Engenharia Naval, Engenharia Elétrica, Engenharia Metalúrgica, Engenharia... - Gilson! Gilson, por favor! - ousei interromper a apresentação de tão proficiente personalidade - Disso tudo aí que você estudou, você aprendeu o quê, finalmente? O auditório explodiu em gargalhadas e o novo engenheiro de Segurança lançou-me um olhar mortal, pigarreou meio sem jeito e entrou nos tópicos relacionados da aula, sem responder a minha pergunta. Como se previa, de tanto estudar as variadas formas de engenharia, se esqueceu de aprender o mais elementar da Segurança Industrial: prevenção de acidentes. Não sei se houve relação, mas, no outro dia, o meu crachá magnético não estava mais credenciado no relógio de ponto e fui gentilmente convidado, pela vigilância patrimonial, a passar no Setor Pessoal. Ser primo do Superintendente Administrativo fazia parte do currículo do multifuncional Gilson dos Santos e eu não o deixei se apresentar com a real importância da qual ele estava investido. Isso aconteceu no início dos anos noventa, em pleno vigor do governo Collor de Mello, quando o país se ressentia do seqüestro da poupança e das contas correntes, e o parque fabril nacional mergulhava em um desmonte sem precedente. O desemprego em massa era notícia cotidiana e a economia informal passou a ser a tábua de salvação do outrora trabalhador formal, o peão de trecho e seus agregados. Engenheiro fez concurso para gari, técnico virou ajudante de pedreiro e o "peão" teve que se virar como pôde, abrindo quitandas e biroscas na frente de casa ou vendendo muambas contrabandeadas do Paraguai, nas repartições públicas. As férias deixaram de existir e a jornada de quarenta e quatro horas semanais tornou-se uma utopia. O afortunado que continuou com um patrão também foi obrigado a sacrificar suas horas de descanso em busca de uma outra ocupação, tamanho era o achatamento salarial. Os remanescentes, em vez de investir em sua profissão, reciclavam-se em outras ocupações que em nada tinha a ver com a função desempenhada. Um amigo, para completar a renda de vendedor de seguro de vida, aceitou o emprego de coveiro em um cemitério recém-inaugurado na periferia da cidade. Sem nenhum constrangimento, abordava a família ou os amigos do defunto, no velório, tentando vender suas apólices. Para justificar o desemprego em massa e a recessão crescente, os governistas diziam que a indústria brasileira não ia à frente por falta de mão-de-obra qualificada. Era preciso investir e reciclar o trabalhador sucateado pela incompetência administrativa dos patrões. Criou-se um tal de Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT, no intuito de preparar o peão brasileiro para concorrer em pé de igualdade qualitativa com o trabalhador estrangeiro. Mas esqueceram de preparar, também, a mentalidade arcaica dos patrões em prol de implementar uma política salarial justa, de primeiro mundo, de modo que o peão não precisasse fazer bico depois do expediente, levando-o ao extremo do estresse e do esgotamento físico, culminando na baixa operosidade, baixa assiduidade por problemas de saúde e aumento significativo nas estatísticas sobre acidentes de trabalho, causado pela desconcentração oriunda do cansaço físico e mental. Viver de galho em galho é coisa de macaco e não do homem. É bíblico: ninguém pode servir a dois senhores. Nem a três ou a quatro, como se tornou praxe ao trabalhador brasileiro. Quem muito estuda, sem se preocupar em se especializar em algo, fatalmente será um Gilson dos Santos da vida que, de tanto estudar os diversos ramos da engenharia, não aprendeu nada. Só arranjou um emprego porque era primo do manda-chuva de uma determinada indústria. Ou pode acontecer o pior, como foi o caso da minha cunhada. Ela se encantou com um cartão de visita de um cidadão, que dizia ser encanador, pedreiro, carpinteiro e eletricista e contratou o profissional polivalente para construir sua casa. Sairia mais barato contratar apenas um, que fazia tudo, do que contratar os profissionais em separado. Depois da casa pronta ela se deu conta que não se deve improvisar nas profissões: as paredes ficaram fora do esquadro, as portas não encaixavam nos contra-marcos, o piso virou tobogã, as tomadas não funcionavam e, quando caiu a primeira trovoada, perdeu a metade dos móveis. O profissional "curinga" colocara as telhas invertidas, com o encaixe menor voltado para a cumeeira. Desqualificaram o professor para justificar os baixos salários. E, para aumentar a renda, ele sai pulando de escola em escola, ocupando todo o seu tempo em sala de aula, misturando matérias, confundindo alunos, trocando as turmas, sem o devido e justo tempo para descanso e ou investir em sua profissão. Em um país, cujo regime semanal de trabalho é de quarenta e quatro horas, aceita-se que um professor trabalhe sessenta em uma mesma empresa, pública ou privada, culminando em uma jornada de doze horas por dia, fora os trabalhos que ele leva para casa sem receber hora extra por isso. Incontestavelmente isso é a prova cabal de que ninguém neste país é igual perante a Lei. Para substituir o professor efetivo, bem preparado e bem pago das universidades, normalmente ocupado com seminários, congressos e cursos, criou-se a função do professor substituto, o tapa-buracos, ganhando uma merreca, algo próximo do salário mínimo, porém sujeito às mesmas obrigações e responsabilidades do titular. Que incentivo terá um professor substituto em passar adiante os seus conhecimentos, se o titular ganha dez vezes mais e vive fazendo corpo mole? Estude-se com uma discriminação dessa e diga-se que aprendeu bem. |