OS ÂNIMOS JAMAIS SÃO APAZIGUADOS QUANDO HÁ UMA
CERVEJA ESTRAGADA ENTRE NÓS DOIS
|
Edison Veiga Junior
|
Arrancou uma folha. Dessas com cheiro de infância traquinas. Uma folha que não servia para fumar nem ler nem escrever nem sonhar. Arrancou. Todos-dias Jeremias come alface. Tempera com açúcar e olha feio para as pessoas que estranham. Destrambelhadas são todas-pessoas que estranham, azedam, brincam de couve-flor quando se são brócolis despenteados. Ele tem uma horta no quintal. Planta salsinha, açafrão, cenoura, manjericão, espinafre, almeirão, bacon, filarmônica, macacos e gente de verdade. Nunca colhe. Espera chover e cair-tudo na sua mesa. Sobremesa. Jeremias um-dia acordou de bom-humor: - Amor, traz mais café por favor? Jeremias outro-dia acordou de mau-humor: - Mulher, café! Jeremias nunca dorme. É desses homens que sonambulam acordados, se recusam a contar os carneirinhos (designam empregados para tal árdua tarefa) e riscam lousas verdes em todos os semáforos da imaginação. Jeremias nunca dorme. Era vinte e três de fevereiro quando seu pai morreu. Arrancou outra folha. Daquelas com cheiro de saudades reformuladas. Uma folha que já nem era mais verde nem espelhava a realidade nem carregava orvalho nem ressequido. Arrancou. Todas-noites Jeremias toma café. Joga sal aos baldes dentro da xícara e zanga-se se algum feladap olha torto para ele. Aliás, alheias são todas-pessoas que não deveriam existir, porque assobradam e assombram, deveriam obradar os assoalhos dos-outros, aqueles quem dobram. Os sinos também. Ele tem um carro velho que parece uma Brastemp aposentada. Dentro, um bocadinho de-tudo: bancos, porta-luvas, toca-fitas, acelerador, câmbio, freio-de-mão, enxada, velas-de-sete-dias, furadeira, fio-dental, hífens e outras-palavras-compostas. Em compotas. Jeremias uma-noite saiu, beber: - Garçom! Manda outra! Jeremias outra-noite saiu, beber: - Pendura! Jeremias sabe o que acontece com os bichos-papões que moram no telhado. |