CORAÇÕES EM DÓ MAIOR
Pedro Brasil Junior
 
 

Uma semana de férias num sítio era tudo o que se podia desejar depois de um ano de trabalho intenso. A estrada íngreme de chão batido dava mostras do isolamento do lugar, a princípio, uma verdadeira interrogação. O Jipe sacudia o tempo todo e a poeira vermelha cobria a paisagem que ficava para trás. Foram duas horas de puro sofrimento para se chegar ao sítio dos Hernandez.

Lá estavam, Dolores e Valdecir, amigos realmente "encontrados" na cidade grande num dia de filas enormes nos bancos. A minha ajuda naquela ocasião foi providencial e o convite ficou no ar até o dia em que decidi respirar o "ar dos matos".

Câmera fotográfica devidamente revisada, filmes suficientes para registrar o que viesse aparecer e uma vara de pesca com molinete e tudo o mais. Haveria sim, de ser um passeio inesquecível! E seria muito mais pois, a vida é uma caixinha de surpresas e muitas vezes, somos direcionados pelo tal destino, de maneira que deparamos com o impossível diante dos próprios olhos.

O sítio era extenso em suas terras, detinha um pequeno lago próximo do casarão e um belo rio a cerca de uns 4 quilômetros. A casa grande era simples e bem construída, com uma varanda imensa dotada de confortáveis cadeiras de balanço onde à noite, ficávamos conversando sob a luz de um lampião e o cintilar das estrelas.

Tudo era tão simples que apenas a presença de um piano de cauda é que quebrava o cenário. Estive diante do piano e pressionei algumas teclas só para ouvir notas perdidas. Bom teria sido se tivesse um dia, aprendido um pouco de piano mas...

Perguntei a Valdecir sobre o piano e ele me confidenciou que fora um presente de um fazendeiro vizinho, que um belo dia vendeu as terras e partiu para o interior de São Paulo. Deu o piano porque realmente era, além de sensível, complicado para o transporte.

Apesar de ninguém saber tocar piano ali, a peça totalmente branca, estava muito bem cuidada, com teclas de puro marfim a esperar um par de mãos ágeis, capazes de extrair uma canção jamais executada na face da Terra.

Numa das tantas conversas na varanda, regada com bom chimarrão, Dolores e Valdecir falaram sobre o piano e sua história. Na verdade, a peça rara, um autêntico Fritz Dobbert fez parte da vida de uma jovem que estudara na Europa e que um dia, de regresso, veio morar na fazenda e trouxe com ela o belo piano.

Por se tratar de um lugar praticamente esquecido do mundo, a jovem decidiu partir um dia e deixou para trás a família, o piano e quem sabe até; as lembranças de um lugar dominado pela solidão.

Segundo Dolores, muitas vezes podia-se ouvir no silêncio da noite o piano sendo tocado pela jovem. Era como se fosse uma voz cortando os mistérios da noite numa terra onde só se ouvia os rugitar das onças ou os grasnar das corujas.

O fato é que o piano acabou virando assunto de todas as noites e por causa dele, lembrei de pianistas famosos e de algumas músicas onde o piano foi de fundamental importância. Mas para Dolorores e Valdecir, o piano, as músicas clássicas e as histórias não passavam de apenas mais uma página em suas vidas regadas pelo trabalho com a plantação e com os animais.

Verdade que cada dia daqueles foram tão bem preenchidos que cheguei ao ponto de não lembrar datas nem horários. Passei a supor que fosse o dia tal e, pelo sol, talvez umas duas da tarde.

Fiquei dez dias! Quando o quinto dia apontou e me peguei tendo que voltar, fui tomado por uma vontade imensa de ficar. Além disso, Dolores e Valdecir também insistiram muito. Eu sentia que algo estava para acontecer. Algo de muito bom e especial.

Apesar de quase ninguém aparecer no sítio, as vezes um ou outro caminhão surgia para carregar milho ou batatas. E um outro que passava muito cedo para recolher o leite das vacas.

Mas no oitavo dia, uma camioneta Toyota apontou no horizonte e meia hora depois chegava ao sítio trazendo apenas a motorista. Ela passou a porteira e estacionou a poucos metros da porta da casa.

Dolores e Valdecir não estavam por ali. Eu estava debruçado na janela e continuei assim, olhando a bela mulher em sua calça jeans, bota meia-canela e uma blusa fina num suave tom rosa.

- Ei! Tem alguém em casa?

- Serve eu? Respondi sorrindo!

- Ah! Desculpe! Quis me referir à Dolores e Valdecir.

- Tudo bem! Devem estar nos estábulos! Mas voltam logo. Você não vai entrar?

- Sim! Ah! Meu nome é Íris e o seu?

- Pedro! Ao seu dispor!

Então, ela subiu os quatro degraus da escada e desfilou pela varanda como se estivesse numa passarela. Os cabelos pretos e cacheados combinavam com o rosto semi-arredondado e os olhos amendoados e esverdeados completavam a sua beleza facial. Tinha o andar leve e provocante e como não era uma mulher do campo minha curiosidade era ainda maior.

- Você vem de onde?

- São Paulo! E você?

- Sou de Curitiba.

- E o que você faz na vida? Perguntamos juntos! E a cena foi engraçada a ponto de quebrar o gelo que ainda existia.

Íris era executiva de uma empresa especializada em importações e viera para rever alguns amigos que há anos não via e nem se comunicava. O casal Dolores e Valdecir eram especiais para ela, que durante um período de sua vida, adoentada, ficou ali no sitio recuperando-se de uma pneumonia.

Pois bem; ao rever o casal, fizeram aquela festa e podia-se ver nos olhos de todos uma alegria infinita. No inicio daquela noite, Dolores preparou um jantar especial, ao melhor estilo do que sabia fazer. A mesa farta nem permitia que se pudesse provar de tudo. Também havia um delicioso vinho tinto que segundo Valdecir estava guardado há 10 anos. Um puro néctar de Baco, eu diria.

Mais tarde, na varanda, conversas em dia, histórias e mais histórias e o piano tomou conta do ambiente. Íris sabia tocar muito bem. E foi tirando do instrumento até então solitário, as mais belas notas que eu já tivera ouvido daquela maneira. Enquanto tocava as teclas com as mãos suaves e precisas, Íris me olhava e sorria. Havia algo de especial nascendo mas por ora, só a imaginação é quem rabiscava possibilidades. Olhando aquela mulher linda tocar piano e seus olhos em direção aos meus, não havia como resistir a uma certa provocação e sem contar que o coração estava lá, pulando de alegria. E além disso, podemos estar na cidade, com as ruas, as lojas e os shoppings abarrotados de pessoas e raramente temos a sorte de ganhar um sorriso. Ainda mais um sorriso tão provocante quanto o de Íris.

As horas escoaram e as energias precisavam se recompor. Foi uma noite de sono tranqüila, como há muito eu não tinha. Na manhã seguinte, durante o café, Dolores e Valdecir se preparavam para pegar a estrada.

- Olha! Vocês fiquem a vontade. A casa é de vocês e o que precisarem tem ai. Nós vamos à cidade para comprar ferramentas, roupas e outras coisas que precisamos aqui. Voltaremos somente no final da tarde.

E se foram naquele Jipe que eu já conhecia bem.

Ficamos ali, Íris e eu frente a frente naquela rústica mesa, provando o café e com os olhos fixos um no do outro. Jogamos um "sério" que acabou em risos e depois, fomos até a varanda para olhar a paisagem ao redor.

Era difícil conter aquela atração. Íris estava mais linda, agora dentro de uma calça preta e justa, blusa decotada e aqueles lábios carnudos que convidavam ao um beijo. Então ela disse:

- Adorei os teus olhos! Me sinto atraída pelos segredos da tua alma.

E eu me aproximei:

- Pois então, desvende meus segredos!

E assim, nos abraçamos e nos deixamos levar por um longo beijo. O corpo vibrava, havia uma energia pura naquele instante e a vida toda só fazia sentido ali, naquele instante mágico.

Íris me puxou pela mão e disse:

- Vou tocar no piano uma música pra você.

E começou a extrair as notas que uniram-se e formaram uma canção realmente bela e profunda. Algo que tocava no fundo da alma e do coração.

Enquanto ela tocava, eu me aproximei e acariciei seus ombros, seus cabelos e o seu rosto. Alisei sua pele morena e beijei seus ombros e o pescoço causando um arrepio que a fez errar a tecla.

- Continue! - Foi o que ela disse.

E enquanto tocava eu prosseguia com minhas carícias e meus beijos até que desci as mãos pelas suas costas e as enfiei por dentro da blusa até tocar os seus seios, que já estavam entumecidos e convidativos. E ela tentava ainda tocar...

Não conseguiu ir adiante e levantou-se. Me abraçou, me beijou e começamos ali mesmo a deixar os corpos à vista. Íris tinha tudo tão perfeito que parecia ser um sonho, uma miragem. Mas era real e quando estava totalmente nua e nos meus braços a peguei no colo e fomos para a cama.

Começamos com um beijo enquanto nossas mãos procuravam os pontos mais sensíveis. Desci com meus lábios pelo seu pescoço e fui beijando seus seios e descendo com a língua sobre sua barriga até chegar à sua púbis. Ela se contorcia enquanto seu corpo arrepiava inteiro. Na verdade, passeei com minha língua por todo o seu corpo e ela fez o mesmo comigo.

- Quero você por inteiro! -Foi o que sussurrou em meu ouvido!

E eu prossegui naquele ritual de pura magia, deslizando minhas mãos pelo seu corpo firme, beijando e sugando aqueles seios perfeitos e a deixando louca com o toque de meu dedo em seu clitóris.

Ali estava uma mulher sedenta pelo prazer, que arranhava minhas costas com suavidade e mordiscava minhas orelhas.

Num ímpeto me agarrou com força!

- Quero você dentro de mim!

Agora já estávamos entregues de corpo e alma e, entrelaçados, deixamos o prazer fluir até uma explosão conjunta, que nos levou da terra para o céu e nos fez adormecer na metade de uma manhã ensolarada.

Quando acordei fiquei olhando aquela bela mulher que havia entregue a mim tudo o que era e que tinha. Fiquei fascinado com sua escultura, uma geografia que agora eu já havia decorado! Tão fascinado que comecei a acariciar outra vez e aos poucos, ela foi acordando até que estava novamente entregue.

Agora, a vida se mostrava por um ângulo diferente! Como resistir àquela ardente paixão?

No dia seguinte, pela manhã, Íris iria partir. Os compromissos a aguardavam em São Paulo e eu, ainda teria mais um dia pela frente. Mas decidi pegar uma carona com ela e foram muitas horas de estrada até que chegamos a um posto onde ela abasteceu a camioneta. Ali estavam decretados nossos destinos...

- Olha! - Me disse ela! - Jamais vou esquecer dos momentos que vivemos no sítio. Mas quero que saiba que foram únicos! Não vou contar minha história de vida e nem vou alimentar você com esperanças. Eu quero apenas que guarde isso tudo que aconteceu como uma bela recordação e saiba que, onde eu estiver, sempre vou lembrar de você e do seu jeito todo especial.

- Mas... Por que?

- Não importa! Porque existem chamados que nós temos que atender, vivenciar e seguir adiante! E além disso, eu nunca tenho um lugar fixo pois vivo viajando mundo afora. Quero que saiba que foi um grande momento de amor e que o amor de um momento, com a mais pura adoração, vale muito mais do que um amor eterno sem adoração alguma. Seja muito feliz!

Então, Íris me beijou e pegou a estrada em direção a São Paulo.

Eu subi num ônibus com destino à Curitiba e até hoje, ainda penso que tudo não passou de um sonho. O sonho de um inusitado encontro entre um homem e uma mulher que foram compostos numa partitura especialmente para concerto em piano.

 
 

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