A BEATA DERRADEIRA
Lia A. Falcão
 
 

Há quinze anos não iam à missa e o diabo sabia o porquê - se não o sabia, de certeza, desconfiava.

Naquele dia, chegaram para a novena e sentaram-se na última fila reservada para rezadeiras. A mais nova das duas tirou do bolso um rosário antigo, um lenço com monograma encardido e um volume pontiagudo, de discreto tamanho.

A noite caiu e era chegada sua vez no confessionário. Entrou, mirou os olhos azuis do pároco e sussurrou: - Padre, vou cometer pecado de morte, mas pra este não quero perdão nem penitência...

- Misericórdia, filha! Mas o que se passa?

- Não passa mais, padre. Passou. Agora me ouça que diante de seus olhos está a sua sentença: repare bem, pois por causa desse azul de meus olhos meu pai se matou! Nasci cabocla mas tenho os olhos azuis, graças ao senhor, padre!

De um salto, desferiu um golpe certeiro no peito do cônego, usando uma adaga afiada. Acabado o serviço, limpou-se da arma no lenço, guardou-os no bolso e ajoelhou-se para rezar a reza derradeira, muitas vezes ensaiada. Depois disso, levantou-se do genuflexório e caminhou em direção à última beata e acordou-a dizendo:

- Vem, mãe! Agora a gente já pode dizer a Deus.

 
 

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