MOMENTO DE SAUDADE
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Vera Vilela
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Porque de repente este aperto no peito? A estranha sensação de perda, de falta? Ele se foi já há algum tempo. Foi numa manhã de primavera. Acordei desnecessariamente feliz e disposta. Um instante antes estávamos juntos na cama, sua cabeça repousava em meu braço.Como era lindo. Passei a mão sobre ele e senti sua maciez, seu corpo quente. Com meu carinho ele se espreguiçou e se levantou. Soltou alguns sons e o vi sumir escada abaixo, feliz como sempre. Com certeza iria comer algo. Já acordava com fome. Fiquei ainda por minutos na cama, flutuando de preguiça. Levantei-me, escovei os dentes, os cabelos e quando ia descer minha filha já subia correndo e gritando. - Mãe, ele está na varanda. Morto! Não sabia o que fazer, se descia correndo, se voltava para o quarto e fingia não acordar mais. Resolvi. Desci as escadas e o olhei na varanda. Lindo. Deitado de bruços, braços à frente, como que descansando. A única coisa estranha era o sangue que escapava de sua boca. Não podia fitá-lo, não queria chegar perto, não teria coragem de ver seus olhos, não queria ter acordado. Voltei para o quarto e chorei muito, até não poder mais. Que coisa mais triste do mundo meu Deus, somente agora - após um ano - posso escrever sobre isso. Minha filha o recolheu e pediu para a veterinária que viesse buscá-lo. Fiquei sabendo mais tarde, foi veneno e o efeito foi fulminante. Meu companheiro querido, meu amigo, meu amor, João Sebastião. Meu gato branco de olhos cinza, nariz cor de rosa, calmo, tranqüilo, paciente, conversador. Ele se foi, eu fiquei. Novamente só. Eu precisava falar sobre ele e sobre como tudo se passou. |