FILAMENTOS DE UMA NOVA VIDA
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Pedro Brasil Junior
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Quando
partimos de Zanzibar com destino ao Grande Oásis de Hornetta, nossas
vidas começavam a ganhar um rumo Os homens e mulheres que dali partiram, foram antes, chegando aos poucos, apreensivos e curiosos. Todos sabiam que iriam para outros pontos mas antes, haveríamos de passar por uma avaliação que determinaria o novo destino. Havia perto de 60 pessoas no total e cada uma delas foi sendo encaminhada de maneira que restamos eu e Zakind. Zakind era um sujeito quieto, sempre com olhar preocupado. Durante nosso percurso, trocamos poucas palavras, que permitiram apenas saber o nome e de onde vínhamos. Zakind tinha vivido nas terras misteriosas dos Vikings e lá dentro de si, preservava as mais fantásticas aventuras que um homem já tivera vivido sobre a Terra. Eu, que vinha do interior das grandes montanhas do Tibete, continuava exaltando o poder do silêncio. Mas estávamos agora ali, um diante do outro trocando poucas palavras mas curiosos com a nova jornada. Lembro o que Zakind apenas me disse antes de ter partido. - Você sabe como nascem as pérolas? - Não! - Exclamei! - Saberás em pouco tempo e terás, com certeza, pelo teu caminho o mesmo poder de reunir o que desconhecemos para criar o que a maioria cobiça. Zakind era de fato um Viking, daqueles altos e com o físico tão avantajado que seria capaz, acredito, de quebrar os ossos de um urso se acaso tivesse que abraçar um. Mas ele se foi! Recordo que ainda o vi pela última vez, seguindo por uma estradinha acompanhado por dois instrutores. Agora só restava eu! - Fiquei sentado numa pedra aguardando que me chamassem. Todos já haviam partido e eu fiquei pensando naquela solidão momentânea que de certa maneira não me incomodava nem um pouco. Ao longo da minha existência entre as montanhas, a solidão foi a única companheira. A solidão e algumas vezes, o eco de minha própria voz, de meu próprio grito! Olhando ao redor de onde estava, o que eu via era uma pequena aldeia, com casebres rústicos, algumas árvores pequenas e cabras que podiam ser vistas por toda parte. As vezes um pássaro solitário singrava pelo céu e era assim o cenário. O vento passeava por ali com certo cuidado. O lugar tinha algo de misterioso, algo como se fosse um pedaço do céu incrustado na terra. Pouco tempo depois, apareceu uma mulher com um leve sorriso nos lábios. - Olá! Sou Hyla! E minha tarefa é te levar para o aprimoramento. - Aprimoramento?? - Calma! Pelo caminho te explico! Assim, Hyla me acompanhou por uma distância que não sei precisar. Ela era uma mulher alta, pele clara, olhos escuros e cabelos compridos pretos. Usava um lenço grande onde prendia os cabelos quando o vento se fazia mais forte. Suas roupas eram todas compridas, com diferentes tonalidades. Mas Hyla caminhava rapidamente. Já conhecia, por certo, cada pedra que havia naquele caminho. Para mim o caminho era tão longo que parecia não ter fim. - Hyla, para onde está me levando? - Não se preocupe! De lá, seguirá adiante, devidamente preparado para sua nova missão. Você é muito especial! - Especial? - Calma! Logo saberá de tudo. Primeiro, terá que descansar bastante. Continuamos
nossas passadas. Eu ofegante e Hyla com tamanha naturalidade que eu podia
jurar que tinha asas. Finalmente chegamos próximo a um riacho,
onde a água era tão cristalina que a partir dali, descobri
que não poderia estar na Terra. Nossa caminhada prosseguiu. Hyla
me olhava com o canto dos olhos. Não falava nada e eu, diante disso,
me reservava também. É claro que minha curiosidade aumentava
à medida em que avançávamos para aquele destino tão
incerto pra mim. Não recordo quantas horas caminhamos, mas ao entardecer,
quando as nuvens começavam a ganhar um tom prateado no horizonte,
avistamos um vilarejo onde fomos recebidos em silêncio pelas poucas
pessoas que apareceram. - Descanse muito, porque sua jornada será longa. Quando acordar, lembre que o tempo é uma dádiva e que, na medida em que avança para o destino que não conhecemos, muitas coisas se transformam ao nosso redor sem que a gente perceba. A propósito; você sabe como nascem as pérolas? Por alguns instantes, fiquei recordando a beleza do mar. Aquela pergunta pela segunda vez em tão pouco tempo, foi mexendo com meu interior. Lembrei das finas areias de uma praia e me deixei levar pela imaginação até as profundezas, onde grandes ostras, certamente estariam preparando a gota mais pura, mais cristalina e tão cobiçada. É verdade que eu tinha bons conhecimentos para saber como nascia uma pérola no entanto, a pergunta, e disso eu tinha certeza também, instigava algo muito além do jardim. Dormi bastante e quando acordei, Hyla estava na porta me observando. - Estive por acaso em teus sonhos? - Não sei! - Acho que estava tão cansado que não tive energia nem para sonhar. - Está bem! Logo, partiremos! O sorriso de Hyla era diferente e cativante. Embora a conhecesse por um dia apenas, ela me parecia muito familiar. Podia ser também algum efeito da minha imaginação mas, algo estranho, lá em minhas profundezas me dizia justamente o contrário. Depois de uma rápida alimentação, seguimos nossa jornada. Tentei puxar conversa, mas Hyla me pediu para respirar apenas e apressar os passos. O tempo era demasiado curto e tínhamos que alcançar o destino dentro do prazo determinado. A única coisa que me disse, foi que "era preciso estar dentro do prazo no jardim estabelecido, porque de lá é que surgiria a semente do meu futuro". Foram várias horas de caminhada até que um cheiro diferente começou a tomar conta do ar. Era o cheiro do mar e logo, podia-se ouvir o estourar das ondas próximo da praia. Quando chegamos à praia, corri em direção a água e molhei os pés como se fosse um menino. O mar estava à minha frente outra vez. Recordei da primeira e única vez que o tinha visto, há tantos anos que sinceramente já não recordava da indiscritível beleza de um cenário assim. Hyla ficou me olhando, sorriso meigo na face. Tirou um pouco da indumentária e se deixou mais à mostra como mulher. Suas formas eram perfeitas, quase uma escultura e, se tivéssemos mesmo num pedaço do céu, ela certamente que seria uma deusa. Foi assim que a vi e me surpreendi quando ela se aproximou e me deu um abraço. Seus olhos penetraram nos meus e foram ter no fundo de minha alma. Todo o meu ser naquele instante arrepiou e estremeceu como um fortíssimo terremoto. - O que está acontecendo? - Perguntei assustado! - Não se preocupe! Como eu disse, estou te preparando para a próxima missão. Isso tudo faz parte pois, se esteve solitário nas montanhas, para onde irá, tenha certeza; dividirás a tua magia com quem te acompanhar. Aquele abraço, o olhar profundo de Hyla e todo o seu corpo junto do meu realmente mexeram com todas as minhas estruturas. Não tinha como resistir a todos os impulsos e aos poucos, fui tateando o seu corpo e sentindo todo o esplendor de uma fascinante mulher. Ela me beijou e aos poucos, nossas roupas foram ficando pela areia. Logo, diante de mim, estava o mais belo ser que já havia visto. - Hyla, não sei de devemos... - Não é esta a questão. Em mim deixarás a tua própria semente. Era confuso entender aquelas palavras. Tentei saber mais, mas ela me impediu. Apenas disse que o tempo era curto e assim, por uma força mágica e um poder tão grande, nos amamos como eu jamais poderia imaginar um dia. Do que mais lembro, é que senti um cansaço tão intenso que cai em sono profundo e me desloquei em sonhos por lugares diferentes, onde eu já tivera um dia mas cuja lembrança era vaga e confusa. Aos poucos, aquelas imagens iam distorcendo-se e minhas lembranças desaparecendo gradativamente. Quando acordei, já não havia a praia e Hyla tinha desaparecido. Apenas podia ver a silhueta de um homem, que aos poucos foi se aproximando, até que eu pude ver quem era. - Zakind? O que faz aqui? - Bem-vindo ao jardim de Almícar, aquele que designa nossos destinos. Totalmente sem entender o que acontecia, fiquei parado tentando me encontrar naquele lugar tão bonito e também tão estranho. - E agora Zakind, o que devo fazer? - Nada! Apenas aguarde! - Dentro em breve estará partindo com destino à uma nova vida, uma nova jornada, um tempo que começa a ser tecido como a mais pura seda e onde você estará envolvido por uma membrana onde todas suas ações e suas lembranças ficarão eternamente registradas. - Quer dizer que... - Não! Não me pergunte mais nada. Daqui para frente, as escolhas são tuas. Deverá seguir o caminho escolhido e viver as emoções que vierem ao teu encontro. Zakind fora taxativo em suas palavras. O que era de fato jamais eu saberia, principalmente porque o entardecer começava a dar lugar à noite e com ela, todos os mistérios se reuniriam para um estranho ritual. Quando dormi naquela noite, sonhei que estava dentro de um enorme casulo. Os fios passavam ao meu redor com uma velocidade muito grande. Não havia ninguém! Nenhum barulho, nenhum outro ser vivo. Era apenas eu dentro do casulo que parecia ter vida. Eu me debati por diversas vezes, principalmente quando tinha a sensação de falta de ar. Depois disso, não recordo de mais nada! Tudo o que sei agora, é que daquele casulo eclodi um dia para minha nova vida e ela começou de certa forma conturbada. Tive que enfrentar minhas escolhas pois só assim, o tempo me levaria ao encontro das palavras, das imagens, das belas cenas do planeta, do aprimoramento que me levou a compreender meu próprio ser e a entender a estranha problemática dos seres humanos, capazes de viverem complicando suas vidas em defesa de uma existência tão curta e absurdamente tão mesquinha. Me pego aqui agora tentando lembrar da jornada que me trouxe a este fabuloso destino. Não consigo! Estou no século 21, perdido num ponto qualquer da América do Sul carregando comigo as proezas de outras vidas que não recordo mas que sinto pulsar na alma. Carregando as palavras nos desígnios de um dom e muito grato pela sorte de ter escolhido como destino este magnífico portal onde sou o guardião e de onde me permito olhar o mundo, mergulhar por todas as partes em vôos constantes e registrar na alma as vicissitudes de um tempo em que o planeta se movimenta, geme, dá seus sinais a todo instante e ainda assim, a maioria dos homens continuam percorrendo caminhos que não levam a lugar algum. São 10 horas da manhã. Estou sentando num banco de praça. Alguns pombos batem asas ao redor. Algumas crianças brincam na areia. Uma mulher caminha lentamente sobre os paralelepípedos e vem em minha direção. Aquele jeito de andar e os traços faciais me deixam estáticos! - Olá! Feliz com o seu destino? - É o que ela me pergunta. - Estou!.. Você é realmente quem eu estou pensando? - Sim! Mas se acalme! Só estou de passagem para lhe dar boas vindas e te dizer que, assim como a pérola leva tanto tempo para alcançar a pureza, da mesma forma o teu coração virou um puro cristal. Eu sorri largamente e fiquei ali estático olhando Hyla seguir adiante. Desapareceu por entre o arvoredo e eu me deixei se perder com a magnifica paisagem de mais uma intensa manhã de vida. A jornada só está começando... |