AMPULHETA QUEBRADA
Carla Deboni
 
 

Não há muito o que fazer pela casa. Depois da faxina matinal, a única saída é atirar-me no preguiçoso aconchego do tapete recém-varrido, e deixar o suor lamber o cansaço. 12h46min. E a promessa de que ele viria para o almoço parece desfazer-se nas almofadas que prendem minha cabeça no chão. O problema é que ele era o meu almoço. Meu único alimento.

Rolando no chão pareço abandonar a coragem de me levantar. Um sono gostoso se aproxima e me tapa os olhos como se quisesse fazer surpresa. Entrego-me. Sou fraca feito roseira sob o sol: não resisto por muito tempo a desmedidas intensidades.

Desperto com o calmo passo do gato, que me rodeia e me lambe os dedos. A tarde já se encerra num rápido bocejo, e a abertura da porta, tal como a deixei, denuncia que ele ainda não chegou. Olho para o relógio mais uma vez. 13h04min. Mas, como é possível? A hora não passou, ou fui eu que me antecipei? Tiro os ponteiros da parede, e procuro os minutos que perdi dentro do vidro protetor. Eles devem estar por ali, em alguma parte.

Enquanto eu investigo, finalmente o ponteiro dos segundos expira. Pilha fraca.

 
 

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