QUANTO TÁ?
Edison Veiga Junior
 
 

Seu Espiridião tem 49 anos. Em dias normais, é um cidadão pacato: conta piadas preconceituosas, joga truco com os amigos, bebe uma cervejinha, trabalha feito um condenado, reza pra chegar logo sexta-feira, torce para o Corinthians. Torce para o Corinthians?

Sim, e aqui temos um gancho perfeito para os dias anormais do Seu Espiridião. Não, desta vez não estamos criticando o time que se tornou filial amarelinha do Boca. Não, desta vez não vamos fazer nenhum trocadilho politicamente incorreto. Não e não. O problema está é na cabeça do Seu Espiridião.

Homem de superstições estranhas, ele tem lá suas manias. Dorme sempre com o travesseiro virado do mesmo lado, escova os dentes sempre de baixo para cima, mostra sempre dois no par ou ímpar, jamais leva velas ao cemitério, jamais cutuca o nariz em público e, principalmente, nunca, mas nunca mesmo, fala três vezes seguidamente a mesma palavra. Superstições estranhas, ele tem lá suas manias.

- Princípios! – corrige Seu Espiridião, pronunciando pausadamente cada sílaba, como a conferir ênfase aos seus, ahn, princípios – Princípios! – repete ele, mas pára na segunda vez, para não ferir os seus, ahn, princípios.

***

Seu Espiridião tem uma filha linda. Cabelos longos, encaracolados. Estudante universitária, 21 anos. Corpo esbelto. Sorriso no rosto. Soraya, o nome dela.

Soraya, desde pequena, sofre com a síndrome do prato bem-organizado. Isso significa que ela não admite almoçar se o caldo do feijão sujar o arroz branquinho. Ou se o molho do bife escorrer na salada. No prato de Soraya, tudo separadinho.

Soraya é daquelas pessoas que se dão bem no bandejão.

***

Dona Alice, 45 anos, é a mulher do Seu Espiridião. Ele foi o único homem da vida dela, mas a recíproca, infelizmente, não é verdadeira. Coisa dos velhos tempos. Ou não. O certo é que Dona Alice cultiva o esdrúxulo hábito de colecionar palíndromos.

- Até Reagan sibarita tira bisnaga ereta! – grita, eufórica, pela casa.

Ela jura, de pés juntos, que é a autora do célebre “socorram-me, subi no ônibus em Marrocos”. Ninguém acredita na pobre Dona Alice.

***

Em dias de jogo, Seu Espiridião parece outra pessoa. Fanático, fica irrequieto o dia todo, curtindo a expectativa nervosa de mais uma derrota de seu time. Não sabe onde guarda as mãos, mete os pés nos bolsos, encosta a língua no céu da boca e tirita os dentes. Seu Espiridião sofre.

Quatro da tarde e a tevê da casa de Seu Espiridião já está, há muito, ligada no canal certo. A voz do narrador chato ressoa pela casa, a bola rola. Mas onde está Seu Espiridião?

Ele nunca é torcedor de sofá. Sofre.

- Sou azarado. Se assisto ao jogo, meu time perde.

Então prefere caminhar pelas ruas da cidade. Caminha muito. E, de cinco em cinco minutos, apanha o celular:

- Alice! Quanto tá o jogo?

 
 

fale com o autor