TAMBÉM TIVEMOS NOSSO W. BUSH
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Ronaldo Torres
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Houve uma guerra em Lagoa Azul. Ninguém ficou sabendo, mas houve. Aconteceu no mais absoluto sigilo, na calada da noite e de baioneta calada, de surpresa e, por ser o Comandante-em-Chefe um antigo filiado da Aliança Renovadora Nacional, a imprensa foi proibida de dar manchete. Apenas uma nota de rodapé em um jornal da capital, tempos depois, que ninguém deu importância. Eram os conturbados anos setenta e a pequena cidade de Lagoa Azul repousava bem longe dos embates ideológicos do além-fronteira. Na falta do quê fazer, o povo criticava a apatia e a incompetência do prefeito para tirar a cidade do marasmo. Em uma tarde de pouca inspiração e de muita disposição, o prefeito sonhou que era o Imperador do Sertão e sentiu o ávido desejo dos grandes conquistadores em aumentar os limites do seu império. O mundo, subjugado a ele, haveria de lhe render tributos e homenagens: - Ave César! Os que vão morrer te saúdam! Assim, dominado pela sede de poder, acalentado pelo canto da cigarra, pegou o seu facão-espada e convocou a sua legião de soldados, uns bêbados vadios que passavam a tarde enchendo a cara de cachaça na conta da prefeitura. Seguiram de caminhão, apreensivos e sombrios, para a linha de combate, um povoado paupérrimo na divisa do município. O sol declinava no horizonte e a vermelhidão do arrebol prenunciava uma noite de sibilos traiçoeiros e o cheiro fétido do chumbo queimando a carne já se sentia pairando no ar. - Alea jacta est! Quando a noite se fez alta e as corujas recolheram seus pios, um bando de soldados trôpegos, portando garrafa de cachaça em vez de fuzil, avançou destemido sobre o terreno inimigo e tomou de assalto uma escola primária e um posto de saúde em construção. Mãos ágeis entraram em cena e puseram a pique os dois prédios, atearam fogo nas carteiras escolares e destruíram uma plantação de mandioca, única fonte de subsistência do exército inimigo. Como o breu da noite esconde todas as nossas maledicências, o Imperador recolheu seus homens e bateu em retirada, indo comemorar seu embate heróico numa rodada etílica em seu castelo. Vitória completa, sem nenhuma baixa. - Veni, vidi, vici! Quando a névoa da manhã se fez diáfana, rostos surpresos, atônitos e incrédulos despertavam e miravam a destruição de uma guerra não-declarada e de um combate não-anunciado. Revoltados, atearam fogo na bandeira do novo império, que tremulava solitária sobre os escombros. |