DE DIÁRIOS & SEBOS
Pedro Brasil Junior
 
 

Tem algo de perdido num sonho encontrado!

E se tem encontrado tantas coisas perdidas...

Palavras ditas ao vento, um trevo de quatro folhas guardado num livro, a pétala de uma flor que fora tão linda...

Palavras escritas num diário sem nexo e sem anexos!

Palavras sem tom, sem cor, sem brilho, sem uma ordem apenas!

Por que?

Porque as desordens são maravilhosas em certos instantes da vida.

Podemos dizer qualquer coisa, para qualquer um, em qualquer lugar, de qualquer jeito.

Que importa? Quem irá entender?

E numa tarde de chuva, parado sob uma marquise, fico ali, vendo gente empastada correndo. Gente que só corre nos dias de chuva e depois sentem uma pontada no peito.

Tem gente que só lembra que tem coração desse jeito!...

E fico olhando a mulher com uma enorme sombrinha, desfilando por sob a marquise.

O pessoal que se molhe! Que defenda-se como puder. Ela quer é apenas mostrar seu artefato. E só tem aquilo para mostrar mesmo. A cara não ajuda, o corpo não se define, mas muitos a olham, é o que lhe importa!

Penso numa palavra oportuna... Mas estou molhado!...

Ah! Quer saber? Que continue a chover porque lá vou eu também correr.

As horas se foram, os ponteiros se digladiaram e as barras das calças secaram sozinhas.

E a vida seguiu assim mesmo, sem muitas palavras, sem anarquias, sem o bom senso de tantos...

Mas eu escreverei com certeza! Farei um registro de tudo o que ficou perdido.

Abrirei uma central de coisas encontradas que tantos perderam enquanto corriam da chuva.

A oportunidade de se molhar e de deixar a chuva lavar a alma.

A oportunidade de se beijar debaixo da aguaceira...

A chance de desviar guarda-chuvas e caminhar tranqüilamente.

Ou ainda, a rara oportunidade de entrar numa galeria e ficar olhando vitrines com coisas exóticas, curiosas, velhas, sem sentido, sem bom preço...

Mas é ali que a vida palpita! A vida que foi e a que se escreve hoje.

Amanhã, não se assuste se encontrar numa vitrine de velharias, o seu inseparável guarda-chuva ou aquela maleta que sempre fora a extensão do seu braço.

O mundo é um grande sebo, cercado de quinquilharias de todo tipo.

E lá vamos nós, alheios aos relógios, substituindo valores, trocando de amores, cuspindo a saudade e preparando um amargo prato de fel para ser provado quando descobrirmos que a vida passou, que não molhamos os pés na chuva, que não fizemos amor numa escada de algum prédio, que nem ao menos nos deixamos beijar em meio à chuvarada.

Sonharemos sim! E como nos arrependeremos por não ter dito uma palavra qualquer, sem sentido, sem nexo, sem seriedade e sem humor.

Que bom se gritássemos "Estou Vivo e Sou Feliz!"

Todos iriam olhar pra gente e pensar: "mais um louco à solta!"

Que sejamos loucos, mas que vivamos de fato e de direito o nosso tempo.

Que sejamos tempo, e que vivamos uma doce e eterna loucura.

E que sejamos nossa própria loucura, registrada em nosso diário de páginas invisíveis e que poderá ser lida por um outro maluco que possa adentrar através do nosso olhar.

E o que estiver perdido, que a gente encontre num desses instantes de puro devaneio!

 
 

fale com o autor