PARADOXOS
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Ronaldo Torres
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Após longos anos ausente, voltei. Não como voltam os heróis, garbosos e festejados, ruidosos e donos de si. Voltei porque a saudade era grande; imensa era a vontade de rever os amigos que um dia abandonei entregues à solidão das noites interioranas. Era a volta às origens. Depois de ser corrompido nos bacanais soturnos da metrópole, o meu coração atendeu ao chamado selvagem das minhas carências afetivas e me conduziu pelas ruas um tanto agitadas da cidade que abrigou os meus sonhos juvenis. Era quase meio-dia e o sol estava a pino. Sentei-me à sombra de uma árvore, na praça do Coreto, e fiquei a observar o movimento dos passantes, tentando identificar, dentre eles, algum companheiro dos tempos da inocência. Não consegui reconhecer ninguém entre os transeuntes ou entre aqueles que, assim como eu, cingiam utopias inconsúteis sentados nos bancos da Praça. Que é dos meus amigos?! Ou todos seguiram os meus passos e foram viver em terras alhures, ou a cidade se tornara maior do que meus anseios. Atravessei a Praça e parei em um bar em frente. Dentro, reinava um silêncio cúmplice com a música ambiente. Casais namoravam aos cochichos, temerosos de revelarem suas intimidades. Havia um jardim de inverno e procurei uma mesa mais próxima da claridade natural e nela me instalei, de modo que poderia observar todo o movimento interno. Nunca se sabe quando pode aparecer um velho companheiro de farra. Fui atendido por uma solícita garçonete risonha, olhos de azeviche brilhantes. Fiquei ofuscado pelo seu olhar, apesar de ter um sorriso tentador. No terceiro chope, pedi uns guardanapos e uma caneta emprestada. Senti uma inspiração repentina e aquele instante mágico não poderia passar em vão. Meia-hora depois, entreguei à garçonete minha obra-prima, caprichosamente rabiscada em um guardanapo de papel: um poema aos seus faiscantes olhos. PARADOXOS Teus
olhos são adversidades perfeitas: Irradiam
o calor do astro-rei São
silentes como o esfumaçar diáfano Teus
olhos possuem a singeleza Surpresa, guardou o guardanapo no avental e disse que iria ler com calma, no banheiro, único lugar onde poderia ler sem ser interrompida. Compreensível, vez que era um bar e restaurante e pessoas chegavam com cara de fome. Ela retornou tempos depois, olhos marejando, embevecida, agradecida. Nunca alguém havia lhe feito uma poesia. Nem mesmo compilado de um poeta qualquer, disse-me. E eu, que mal lhe conhecia, interrompi minhas divagações para lhe mostrar que sempre há uma primeira vez. Por volta das duas horas da tarde ela largou o batente. Seu horário havia acabado e iria para casa. Continuei comemorando o meu regresso, degustando saudades. Ao sentir que o álcool ultrapassava meu limite de lucidez, pedi a conta à nova garçonete. Ela foi ao caixa e voltou sorridente. Disse que a conta estava paga. "Quem pagou?" perguntei, pois não havia visto nenhum conhecido no bar. "A minha colega que saiu. O senhor tem direito a mais dois chopes, que ela deixou pagos." Após sorver ritualmente os dois chopes extras, saí cambaleante, em rumo de casa, emocionado por reler parte de minha biografia escritas nas paredes daquelas ruas desbotadas pelo tempo. Feliz por ter meus direitos autorais pagos com um sorriso singelo, sincero, emocionado, a ponto da musa empenhar seu dia de trabalho para custear as minhas remanescências etílicas e sublimativas tais quais as efervescentes paixões platônicas, incisivas e transitórias. |