COM OS 21 OLHOS DO AURÉLIO,
AMO-TE
Edison Veiga Junior
 
 

1. Anat. Órgão par, em forma de globo, situado um em cada órbita, constituído de três camadas (esclerótica, coróide e retina), e de meios de refração (humores aquoso e vítreo, e cristalino). É o órgão da visão.

Grato todo dia por tê-los aos meus. Um em cada órbita e minha cabeça fora por ver-te a ti. Verto versos, sou órgão musical: o resto é a tua imagem em minha retina, retrato invertido o amor que sou.
Discretos, sob óculos. Só a ti se revelam profundamente no encontro de momentos íntimos. Só a ti se descobrem sempre-verdes, puro reflexo dos teus em mim.
Olho, olho. Dois que viram quatro, sem lentes. No impacto de sermos únicos. Único, no singular. Quatro que viram um. Vimos.

2. Percepção operada pela visão; olhar, vista.

Gosto de acordar quando estamos juntos, só pra ter o prazer de ver-te em meus braços ao despontar da manhã. Teu dormir em simbiose ao meu despertar, tuas pálpebras pedindo um beijo doce, tua face rimando com um acalanto.
Gosto de traduzir-me em visão a completude de teu corpo. Observar-te é um exercício necessário, atiça o "eu" que me há, ataranta os meus olhares, tenta-me. Antecipo assim o que virá, sempre que nos vemos. Veremos.
Percebo-te com os olhos, meninaminha. Sempre te percebi assim, em verdade. Como se cego não soubesse enxergar teu interior puro amor.

3. Fig. Atenção, cuidado, vigilância.

- E quando eu for velhinho e, de miopia cada vez pior, vista cansada, presbiopia e o cacete, virar-me em interrogação para ti, logo ao despertar: "amor, quedê meus óculos? Ajuda-me a achá-los senão não me levanto!"? Porque hoje é bonitinho, somos novos e é bonitinho... Quero ver quando a convivência nos enjoar, que é que vais fazer...
- Vou dizer: "pera que já pego, meu amor, pera. Primeiro tenho de achar os meus".
(Na garganta, um nó).

4. Fig. V. olho vivo.

Coleciono cenouras. Umas mais alaranjadas, outras mais astutas. Coleciono cenouras, de diversos tamanhos e raças. Na verdade, cenoura não tem raça: tem é marca. Marca? Meu avô diria "esta é de uma qualidade diferente dessa". Meu pai diria "variedade". Eu? Prefiro grifes.

5. Fig. Aquilo que distingue, percebe, guia, esclarece.

És o meu manual de instruções. Tens o afago que preciso pra conseguir dormir. E possuis no peito um travesseiro de penas. De ganso. Não posso me esquecer dos ombros, praticamente um par de guarda-chuvas prontos pra funcionarem. Inquebráveis.
Minha vida contida no teu reflexo. Meu futuro em tuas linhas. Centralizado. Melhor: justificado. Mas sem porquês, que essas coisas não se explicam.

6. Fig. Indício ou manifestação dos sentimentos ou do caráter.

Quentes como um abraço, assim se olham os nossos olhos. Quando consigo, distancio-me de mim mesmo e fico observando nosso flerte arrebatador e eterno como se fosse outro alguém, um admirado pelos corações enamorados, torcendo por happy ends.
Outros momentos, o sentimento vem tão forte que a troca de olhares é instantânea, partindo de imediato para a manifestação plena de tanto amor.

7. Abertura arredondada; orifício, furo.

Meu queijo por um beijo. Suíços.
Mas tem também o que se descobre poder, o que se esconde pra ser, o que se sente no entre. Dois passos e uma atitude. Entrega.

8. Biol. Ocelo.

Jamais entendi muito bem aquelas mentiras da biologia que nos ensinaram no Ensino Médio. As histórias, pra mim, eram repletas de incoerências e vazios lógicos. Jamais entendi, desculpe-me professora Tânia.
Mas nunca me esquecerei de quando minha foto deturpada no computador foi por ti chamada de mitocôndria, ácido desoxirribonucléico ou outro fragmento que agora não me vem. Nunca me esquecerei. Obrigado.

9. Pequena saliência de forma arredondada.

Desde que a ele fui apresentado, não passa uma noite sem que a sua lembrança se me ative na memória iridescente de meus vinte anos. Tens; ofereça-me. Não te arrependerás. Tampouco eu.

10. Bot. V. gema.

Quando virmos rebentarem os nossos, como um broto esquálido, será tempo de contemplarmos um ao outro e ao outerceiro.
- O milagre da criação!

11. A parte central de certas hortaliças.

Cenouras, milhares delas, cada uma de um tamanho diferente. Mas pra horta ser completa preciso também seria um pouco de alface, pimentão, berinjela e rabanete. Couve-flor, repolho, brócolis. Almeirão.
Eu pensava que cenoura não era hortaliça, que hortaliça eram somente as verdejantes. Mas o Aurélio sempre me puxa as orelhas. Intransigente.

12. Arquit. Óculo.

Um corredor gigante, infinito, cheio de janelinhas observando-te. Portas uma ao lado da outra e percorres o espaço todo, partes, labirinto que sou, correndo. Corres, corres, corres, e acaso me domina um pensamento se é por mim que corres, se pensas vir ao meu encontro, se te amo tanto. Corres, corres, corres, e no arcabouço de minha imaginação as pessoas usam patins.

13. Olho-d'água.

Quando larguei as rimas, lágrimas foram junto. Elas não escorrem mais, desaprendi.

14. Jorn. Intertítulo ou subtítulo de três a cinco linhas.

Tomei umas três horas e cinco dias só para pensar numa palavra e/ou expressão sintética onde coubesses. Amor era pequeno demais, posto que só quatro letrinhas. Felicidade era insuficiente, já que vivemos a plenitude dos sentimentos, bem como sua qualidade irrefutável de não se acabarem. Decidi. Desisti: por que palavras se teu olhar já me basta?

15. Marinh. Cada um dos furos de qualquer poleame surdo por onde passa o cabo.

Terra à vista que nem amor à primeira.

16. Tip. A parte do tipo que imprime, constituída pelo relevo da letra fundido no entalhe da matriz, e cujo tamanho pode variar dentro da mesma força de corpo.

Em teu corpo, em meu corpo. Marcas indeléveis feito tatuagem cama-coração.
- Amo-te.
- Somo-te.
- Sou-te.
Nós dois, inventando transitividades para transitarmos na estaticidade de um amor perene.

17. Tip. A estampagem da letra, deixada na matriz pelo punção.

O prato à minha frente, sopa de letrinhas, gasto dedicação e fome formando seu nome com o macarrão. Paro e contemplo a brilhante tarefa. O prato à minha frente, sopa de letrinhas, gasto dedicação e fome formando um verso com seu nome de macarrão. Paro e contemplo a brilhante tarefa. O prato à minha frente, sopa de letrinhas, gasto dedicação e fome formando uma estrofe com o verso de seu nome de macarrão. Paro e contemplo a brilhante tarefa. O prato à minha frente, sopa de letrinhas, gasto dedicação e fome formando um poema com a estrofe do verso de seu nome de macarrão. Paro e contemplo a brilhante tarefa. O prato à minha frente, sopa de letrinhas, gasto dedicação e fome formando um grandioso livro com o poema da estrofe do verso de seu nome de macarrão.
Como tudo, estômago apetita poesia.

18. Tip. P. ext. Superfície impressora de outros materiais tipográficos, como fios, clichês, etc.

Eu te amo, o mais sincero de todos os clichês.

19. Tip. A área fechada do e, que o distingue do c.

Diferenças homem-mulher. Um tratado acerca das.
Deitar, dormir.
Brigar, blablar.
Comer, começar.
Evitar, estar.
Amar, amor.
Diferenças homem-mulher. Completudes.

20. Tip. A parte superior do tipo, que apresenta o caráter em relevo.

Tipassim: nossos nomes gravados, a canivete, no tronco dum ipê-roxo. Ou de um jacarandá mimoso, tanto faz.

21. Atenção, cuidado, cautela; olho vivo.

Fica ligada porque amanhecerá um dia em que ao despertar perceberás que estou em tua cama. Então, olhando em derredor, te lembrarás que a cama é grande demais para ser só sua. Aí, pode ser sorriso, pode ser arrependimento; de nada mais vai adiantar: esta mercadoria desteladodecá não é daquelas que permitem devolução.

 
 

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