Nasceu o Gabriel. Todo mundo disse que seus olhos eram azuis, mas toda criança recém nascida tem mesmo os olhos acinzentados, e esta cor pode ser facilmente confundida com o azul.

Mas passaram-se os meses, e o Gabriel continuou com seu olho azul acinzentado. Será? Melhor deixar isso pra lá. Que importa se ele tem olhos azuis, covinha na bochecha ou orelhas de abano. Isso também é o menos importante. O que importa é que ele tem saúde, é gordinho, tem covinha na bochecha, olhos azuis e quando sorri, derrete até o coração do mais frio dos mortais.

Gabriel, nome de guerreiro enigmático, nome de anjo e nome do grande escritor latino-americano autor de Cem anos de solidão. Mas minha vontade de chamá-lo de Gabo, em referência ao escritor colombiano, foi pelo cano ao constatar que o irmão mais velho logo lhe cunhara um apelido carinhoso, pelo simples fato de não saber falar o 'erre' entre as consoantes.

O Gabriel virou Gabiel, sem o 'erre' mesmo. Nada de Gabo, anjo Gabriel ou Gabi, que fica meigo demais e está mais para as Gabrieles ou Gabrielas. O Gabriel vai ser Biel. Sendo Biel, ele vai ter a oportunidade de ser único na vida dos pais. Nem mesmo o irmão mais velho lhe tomará o lugar de xodózinho, dodóia, bunitinho, fofuchinho, cheirozinho e todos os 'inhos' e apelidinhos carinhosinhos que os papaizinhos lhe chamarem. O irmãozinho vai ser sempre o pequenininho da família, deixando para o irmãozão o papel de homenzão da casa.

Não vão tardar as brigas de irmãos, em que o pequenino abusado provocará o irmão mais velho a ponto de tirar-lhe do sério. Mas mesmo assim a culpa vai ser toda do irmãozão. Porque o discurso sempre foi e sempre será o mesmo. ''Você tem o dobro da idade dele! Não pode bater no seu irmãozinho...''. Quem teve irmão mais novo pode confirmar essa teoria, de que os pequenos sempre são inocentes de toda culpa, apesar de sempre serem os causadores da discórdia.

Os psicólogos vão dizer que isto é ciúme, mas eu como irmão mais velho, que fui e ainda sou, posso afirmar, os mais novos têm o poder de tirar os mais velhos do sério. Os mais novos são geralmente, muito abusados, tanto que conhecem o poder que exercem com os pais, exatamente por serem os mais novos. Ele pintam e bordam com o irmão mais velho, e em toda a briga ou brincadeira eles agem de igual para igual. Mas bastou os pais colocarem os pés em casa, que os mais novos tornam-se frágeis e delicados. Qualquer esbarrão pode levar a uma choradeira incontrolável.

Por isso, o Biel vai ser o pentelhinho na vida do irmão mais velho, o Luiz. Mas em compensação, os dois vão poder treinar boxe juntos, chute nas canelas, balão nos brinquedos preferidos, destruição em massa e o caos total. Irmão é isso mesmo. Brigar pra ver quem é que vai comer o último pedaço do pudim. Você que teve irmãos sabe muito bem o que é chegar em casa com um doce predileto, e se você deixar na geladeira pra comer depois, pode dar adeus àquela guloseima. Quando você tem irmãos em casa, não pode deixar nada pra depois, afim de uma melhor apreciação. Principalmente se for uma guloseima. Quando se tem irmão em casa, o doce deve ser engolido na hora que aportar na geladeira, porque você pode não encontrá-lo mais tarde.

Até nisso é bom ter irmãos. O irmão mais velho aprenderá a ter limites, já que culpa será sempre sua. O irmão mais novo aprende isso desde cedo, e aprende a lidar com a situação, muitas vezes dando um baile no mais velho. O mais novo aprende a não deixar nada pra depois. Aprende também que ele não é o centro do universo, que sempre haverá alguém mais forte e sempre haverá alguma boca que comerá o seu pudim.

Por esse motivo, eu escrevi esta crônica, mais como uma carta ao Biel. Pra quando ele se sentir impotente com as armações do irmão mais velho ou quando ele sentir que não terá forças para se desvencilhar das suas brincadeiras brutas. Esta carta vai mostrar ao Biel, que além do lado ruim em ser um irmão, tanto mais velho quanto mais novo, existe um lado muito bom também. O irmão é aquele que você poderá contar na hora de qualquer problema, e mesmo que você esteja errado, seu irmão nunca vai dar-lhe as costas, e sempre vai estar do seu lado, até mesmo pra dizer que você estava errado. O irmão mais velho é aquele que vai sempre te defender quando você for pequenino, e o irmão mais novo, por sua vez, lhe protegerá quando você for velho demais.

Para os pais, não existe como preferir um filho ao outro. Cada um tem suas características e peculiaridades distintas e também muito parecidas. A única diferença para s pais, é que no filho nº2, eles já sabem exatamente o que esperar. Os pais já sabem a sensação maluca que é ter um filho. Mas mesmo assim, nada poderia lhes preparar para a surpresa do primeiro sorriso nº2, das mãozinhas pequeninas, da carequinha e sua moleira apavorante, da bochechinha, das coxinhas, das dobrinhas, do pescocinho, do umbiguinho saliente e até mesmo da unha encravada do dedão do pézinho. Tudo isso faz com que os pais, amem cada um de seus filhos de maneira nova e completamente diferente do outro. Mas o amor é o mesmo, e não existem preferidos.

Por isso, Biel, não te aflijas com sua impotência em confrontar seu irmão. Ele é quem vai te ensinar a ser forte suficiente para agüentar todos os outros confrontos de sua vida. É ele quem vai te dizer o que é certo e o que é errado, quando estiverem os dois andando sozinhos com suas bicicletas em plena rua. É ele quem vai te salvar no dia em que você bater o carro do pai em plena madrugada. Ser irmão é estar unido pela mesma certeza.

A certeza de que são filhos das mesmas pessoas e têm o mesmo teor sanguíneo. Uma certeza de que foram amados da mesma forma e de modos completamente distintos. Uma certeza de que são únicos para os pais e que nada poderá lhes substituir. A certeza de ter sido extremamente feliz, e nem querer saber.