A UVA
E A FILOSOFIA

Reinaldo de Morais Filho

Eu não vi a borboleta, eu vi a uva, sobre a qual apoiou-se o inseto para ver o mundo. E não via o mundo, me encarava, com as asas delgadas em posição de estátua - paradas.

E quando deixei de mirar a uva, fixei o olhar no horizonte e depois no nada. Desviei a visão do bicho colorido que me ameaçava.

Porque uns temem o desconhecido; outros, a barata. Eu me assusto facilmente com aquela borboleta amarela que visita constantemente minhas uvas - pois em cima das frutas, encontra-me estendido nos fundos da casa e prega em meus olhos a sua curiosidade.

Como se o bicho fosse eu.

Eu que vivo deserto em um território de mato vazio. Sou apenas solitário e feliz; um perdedor entre os urbanos, um covarde entre os humanos.

Para fugir, já sentei na porta da frente - mas moro cercado de uvas. Já me sentei no canto de dentro - mas as paredes vazadas não impedem o olhar da borboleta.

Se não conhecesse bem os detalhes de sua pintura, o contorno de sua estrutura - diria que era um bando, e não só uma. Se não fosse linda poesia na luz do dia, beleza clássica no escuro noturno - diria que era demoníaca, e não divina.

Incomoda-me, mas não me ameaça. Tanto mundo adiante e ela para bem aqui, em um trevo curto, em uma encruzilhada sem promessas.

Talvez nem precise matá-la, mas, somente, entortar-lhe a asa esquerda, retirar fora uma parte do corpo, libertar a dor no espaço, inventar justa uma razão para sua apatia e torná-la, também, solitária.

Como se o bicho fosse eu.

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