Atualização 062 - EM CIMA DO TELHADO
BIOGRAFIA
A VIDA EM FRAGMENTOS
Pedro Brasil Jr

 

Durante vários mêses, minha vida esteve envolta por uma fantástica rotina. Aqui do alto, olhando pela janela eu ficava aguardando o momento em que o carteiro surgia lá na esquina. Logo, ele estava no meu portão e eu, é claro, de prontidão para receber mais um envelope. Eram cartas que para mim, representavam uma alegria extrema. Haviam nelas segredos de vida que até então eu jamais havia imaginado. Aquelas linhas, construídas com uma caligrafia perfeita, traziam não apenas as noticias mais recentes ou as mensagens românticas que massageavam todo o meu ser. Elas tinham um toque de magia, algo inexplicável... muito além do jardim.

Tudo começara com um desses anúncios em revistas de fofocas. Não sei porque meus olhos se detiveram a ele, mas naquele dia, não tive dúvidas: correspondi aos anseios de uma amizade que pedia apenas algumas linhas para se trocar idéias avançadas com relação à vida. 

Meu primeiro envelope se foi. Ficou a expectativa! 

Podia ser uma brincadeira, pensei! - Mas era verdade! Logo, chegou o primeiro envelope dela. Antes de abrir, observei cada detalhe de sua letra. Eu queria adivinhar alguma coisa mas acabei tendo que abri-lo e me deter naquelas primeiras linhas que com o passar do tempo foram se somando a tantas outras e paulatinamente formando uma incrível história.

E assim, os meses foram correndo e eu a olhar da janela, por sobre as goivas do vizinho, a aparição do carteiro. Houveram dias em que alguns pombos ficaram ali me fazendo companhia e outros em que um gato preto ficava preguiçosamente estendido tomando seu banho de sol.

Mas também aconteceram dias de chuva e eu ficava com o rosto encostado no vidro, tentando ver o pobre carteiro e sua sacola em meio à torrente. 

Hoje, me pego aqui recordando aquelas cenas, relendo as cartas, pensando na profundidade do viver, nas fantasias que criamos n'algum lugar da cabeça e naquelas paixões com alto poder etílico....

Como seria ela de verdade? Pelas cartas ela seria a mais bela de todas as belas. Seria então a fera? - Mas e agora ? As cartas cessaram, não sei mais nada sobre os seus dias nem onde anda. A última que recebi nem era dela. Era do novo morador da casa que me devolveu as últimas que mandei e o aviso de que ela não morava mais naquele lugar.

Evaporou-se ! Eu eu fiquei aqui esquecido, relembrando um amor que nunca houve e revivendo cenas que filmei com ela nas profundezas do meu ser.

Mas que ironia é a vida! Justo hoje que chove lá fora e o carteiro acaba de passar na esquina apressado eu me pego aqui, baforando a vidraça e deixando escorrer pela face estas lágrimas doloridas que me abrem a visão e me devolvem à razão afinal, é preciso viver a vida de verdade.

Então; abro a janela e um por um, vou picotando os envelopes e suas cartas. Os fragmentos voam e caem sobre as goivas e a água da chuva os leva para as calhas e logo, estarão perdidos em meio à enxurrada indo desaparecer para sempre....

Respiro profundamente e fico observando todos aqueles sonhos se diluírem em cima do telhado na forma de pequenas peças de um quebra-cabeças que eu nunca consegui montar.

Ficaram perguntas sem respostas. Sonhos que se tornaram pesadelos. Uma janela de sobrado, um carteiro apressado, os pombos enfileirados nas goivas e um gato preto que às vezes passeia em cima do telhado e vem até aqui,na soleira da minha janela me fazer companhia enquanto a vida lá fora, segue seus rumos, suas regras e suas inexplicáveis surpresas.

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