ÓPIO
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Reinaldo
de Morais Filho
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Saí
de casa naquela noite gélida apenas para ter a oportunidade de me encontrar
com A.; mas o chopp com o seu irmão, M., enquanto ela assistia a uma palestra
na faculdade foi uma desculpa perfeita. Seria pouco tempo ao seu lado no
carro até deixá-la no Centro de Convenções; o suficiente.
Desci os degraus da fachada do meu prédio em um salto, ansioso, quase um adolescente, desesperado por tornar a ver o sorriso contido, compungido até, misterioso, davinceano; aquele olhar singelo, envergonhado, periférico. Apressei os passos. No entanto, para minha completa decepção, quando entrei no carro, percebi uma bruma negra pairando no ar; A. recostava a cabeça na janela, soluçando, com os fios delgados e loiros, as mechas douradas do seu cabelo encobrindo-lhe os olhos, que eu sabia, chorosos. Muda, apenas, pronunciava lágrimas presas pela vergonha. Ao volante, seu irmão concentrava-se no trânsito, com a noiva ao lado apertando sua perna, balbuciando algumas palavras perdidas, tentando apagar o assunto que provocou aquela chuva de rancor. Não sabia o que encarar, olhei para o Pão de Açúcar, distante. Encontrava-me confuso, diante de A. - que em minha mente fazia-se linda - lúgubre, jogada no canto, sem forças sequer de conter aquele choro penetrante, doloroso, chato. Como se o Pão de Açúcar que me apoiava naquele instante, amanhecesse, outro dia, pela metade, destruído, submerso. Paramos o carro, enfim. Mas creio que ela já havia saltado antes; olhei para o lado, tentei dizer algo, e o banco estava vazio. A alguns metros ela corria, passos apressados, sem olhar para trás, fraca, tropeçando às vezes; sua cunhada correu em seguida, e eu pulei para o branco da frente. Ameacei silenciar-me, à espera da iniciativa de M.; seria mais amigável se discreto. Ele encarava a pista, reclamava dos outros motorista, do trânsito, dos transeuntes; e outra vez calava-se. Nem o desejo de saber, tampouco a dor (mau presságio que me invadia o peito), estavam sendo amigáveis comigo; também eu não seria: bebi da malícia para matar a sede da curiosidade. A resposta, entretanto, doeu-me ainda mais do que as minhas conclusões; era tudo simples demais, enquanto meus sentimentos, a sopa coloidal de sentimentos que tomavam conta de mim eram complexos, um turbilhão de reações e expectativas. A. estava partindo, voltando a sua cidade natal, despedindo-se do Rio, da faculdade, do irmão, mas sem acenar para mim. Perdi-me por longos minutos em meus pensamentos, afoguei-me em algum mar de tristezas, desilusão; ouvia Travis, um som depressivo, desejava um copo de uísque, triplo, sem gelo. Coma alcoólico. O que me incomodava não era apenas sua partida, ou o desprezo por mim, o término das minhas esperanças; cortava-me o peito, irritava-me como se fosse uma ruga sardônica colada na aorta, ela estar largando tudo, desistindo dos seus planos porque sentia-se depressiva, solitária nesta cidade. Sentia-me ainda mais inútil, pois revelar minha admiração, meu amor, contar que ela era o ópio das minhas noites tristes, o cerne da minha poesia, não tornaria melhor sua vida, não faria eu desejar a minha... |