DISTRAÇÃO PERIGOSA
Mariazinha Cremasco
 
 
- Alô?

- Ia? Bom dia.

- Oi, Su. Bom dia.

- Ia, pode falar? Estou ligando pra te dar o telefone do poupa-tempo do ABC e pra te falar umas coisinhas. Se você estiver ocupada (é meio dia e meia, hora de almoço), eu te ligo mais tarde.

- Não, menina. Pode falar.

- Olha, li quase todo o livro dos Querubins Azuis que você deu para o Pedrinho. Gostei muito. Me diga uma coisa: a Maria Augusta que escreveu "Choque elétrico" é a mesma Maria Augusta que escreveu "A Cela" e as orelhas do livro?

- Sim. Ela mesma. Por que?

- Nossa. Gostei demais. Como ela escreve bem. As orelhas do livro estão fantásticas. E o texto "A Cela" é muito bom. Parece que ela está agoniada.

- É. Ela escreve bem mesmo.

- O prefácio não gostei. Achei pouco caso do autor. Não gosto dele.

- ...

- Ia, a Maria Augusta é bonita?

- É, sim. Muito bonita.

- Hã..

- Por que?

- Por nada. Por nada. Sabe, li uma crônica de um cara que fala de você. Sabe qual é?

- Não. Fala de mim?

- É. "Fumando o Papel", se não me engano. Ele diz: "como diz minha amiga Mariazinha, li o jornal de cabo a rabo". Você costuma usar essa expressão? A Mariazinha do texto é você?

- É, sim. Sou eu. Ele é meu amigo. Lembro bem quando ele escreveu. Faz mais de um ano.

- Ia, li também seus textos da página dos Querubins.

- Que legal, Su. Gostou?

- Gostei muito. Mas tenho achado você muito triste. Seus textos mostram isso. Adorei "Bodas de Prata". E "E na saudade, Maria" é muito triste. Aliás, todos são tristes, mesmo os que você faz piada. Gosto de você mais alegre.

- Su, eu tento escrever bem humoradamente, mas o que sai é o que você vê, entende? Fazer o quê?

- Ia... preciso te falar uma coisa. Tenho que falar, senão não fico bem. Vai compreender?

- Fala, Sussu. Pode falar.

- Fiquei magoada com a crônica "Aqueles olhos verdes". Muito magoada. Aquela da crônica é a Maria Augusta, né?

- É sim. Mas magoada por quê?

- Eu nunca mereci uma crônica sua. Agora ela, uma amiga recente, tem esse texto escrito por você. Fiquei com ciúmes, espero que entenda. Poderia não te falar. Mas não acho certo. Afinal de contas, a gente é amiga e deve falar tudo.

- Su, mas que bobagem. Eu gosto muito dela, sim. Escrevi sobre ela por causa do tema "Olhos Verdes". E foi sem esforço. As palavras vinham e fui colocando no papel. Inclusive acho um texto bem simplesinho, bem caseirinho, se é que me entende.

- Mas é por isso mesmo que me magoei.

- Não entendi.

- O tema era olhos verdes. Por que falou dela e não de mim?

- Sulamita, me poupe. Ela tem olhos verdes.

- Eu também tenho olhos verdes.

- Hahahaha. Essa é boa. Tá brincando comigo. Você tem olhos castanho-esverdeados.

- Não! Eu tenho olhos verdes. Verde-acastanhados. Você é que tem olhos castanho-esverdeados. Eu tenho olhos verdes. Pôxa, Ia. Nunca notou que tenho olhos verdes?

- Ai, Su. Nós, você e eu, não temos olhos verdes. Temos olhos que "às vezes" ficam esverdeados.

- Tá bom, Ia. Agora já falei, vou me sentir melhor. Não fica triste comigo, tá? Nada contra sua amiga. Mas deve entender que sinto ciúmes.

- Tudo bem, Su. Mas não deveria ficar assim. Quando eu escrevo...

- Não fala mais nada, Ia. Deixa quieto. Desculpe. Vou sair para almoçar agora. Tudo certo? Não estou mais chateada. Eu te gosto muito, tá?

- Espera, Su.

- Preciso ir. O Tchuco tá me chamando. Tchau. Beijos. Vem aqui em casa essa semana?

- Vou, sim.

- A gente precisa se falar. A gente se gosta tanto. Beijos.

 
 
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