CLARA
ESCURIDÃO
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Mariazinha
Cremasco
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Tô
cansada, tô estressada, tô com o saco na lua. Quero dormir e não pensar.
Mas que merda! Por que não durmo? Por que esse turbilhão na minha cabeça?
Por que durante o dia eu não tenho essas idéias fantásticas e não me vêm
à mente essas palavras difíceis? Acho que tem um diabinho aqui nesse quarto,
que fica me atiçando. Sempre achei que o inferno seria bem legal. Imagine
um céu, todo cheio de anjinhos tocando harpa, música new age suave. Não,
não, não. Quero ir pro inferno. Lá o rock deve rolar solto. As pessoas devem
ser mais alegres. Pelos menos aprontaram e foram felizes. Aprontar. Fazer
coisa errada. Pecar. Sei lá o que é pecar. Pra mim, pecar é nada. Nada é
pecado. Imagine, pecado. Bolas pros pecados. Pelo menos nas minhas noites
insones, eu posso pecar feito louca. É só pensamento mesmo. Além do que,
pra mim nada é pecado. Não tenho peito pra fazer certas coisas, mas não
as acho erradas e admiro quem as faz. Mas não era nada disso que eu estava
pensando. A insônia tem isso. A gente muda de assunto com a gente mesmo
cinqüenta mil vezes. Ter insônia é fazer sala pras amebas. Essa inventei
agora. Estou fazendo sala pras amebas. Quando eu era uma garotinha, raras
vezes tinha dificuldade para dormir. Mas quando isso acontecia, eu chamava
a minha mãe.
- Mãe, não consigo dormir. - Pensa numa coisa bem alegre, bem gostosa, aperte os olhos e já já você dorme. Batata! Era isso mesmo. Não era o pensamento nem eram os olhos apertados que me faziam dormir. Era ter contado para alguém, no caso minha mãe, que se importava comigo, que eu não estava bem. Uma vez contado, para que ficar acordada? Dormia como um anjo. Agora, vou chamar quem? Todos dormem. Até meus gatos. Deitar a cabeça no travesseiro, consciência tranquila, cansaço físico, dormir o sono dos justos. Pô, estou com a consciência bem tranquila (gostaria até de nem estar), estou bem cansadinha. Tive um dia bastante agitado. Então por quê? Mistérios da noite e da insônia que me ataca freqüentemente. É como uma dor, e não tem remédio pra sarar. Quer dizer, remédio até tem. Mas dá muito trabalho usar esses hipnóticos. Primeiro, porque você tem que sair à cata de um médico para obter a receita. Eles reclamam, explicam que você tem que fazer exercícios físicos, liberar endorfinas, bla bla bla. E depois de ter marcado a consulta, ter perdido boa parte do seu dia indo até o consultório, estacionando o carro (está cada dia mais difícil estacionar em São paulo), esperando para ser atendido (sim, esses médicos atrasam demais as horas "marcadas"), conversando com gente com quem você não quer conversar, ler a revista Caras, finalmente dão a receita. A gente fica com cara de bobo e parte direto para a farmácia. Paga-se o olho da cara e depois de tudo isso a gente fica olhando para o remediozinho milagroso como se ele fosse a coisa mais importante de sua vida e perguntando: - Tomo ou não tomo? Quanta frescura. Tanto malabarismo e ainda em dúvida se toma o bendito? Toma logo e não enche o saco. Mas não é bom tomar mesmo. Sabidamente é ruim. Não faz bem. Você dorme quase que instantaneamente e acorda feito "boneca". Lembra das bonecas de antigamente (nem sei como são as bonecas de hoje em dia. Tenho só filhos homens e nunca me lembro de observar as bonecas)? Elas abriam os olhos azuis, assim. Plim. Deita, fecha os olhos. Põe de pé, abre os olhos. Assim eu acordo quando tomo remédio pra dormir (faz um ano que não tomo). Como boneca. Plim! E fico com os olhos ardendo, uma sensação estranha. Não é bom. Não é legal. Melhor ficar acordada "naturalmente". Não é engraçado? Naturalmente acordada. Porque pode acontecer de tomar o remédio e ainda assim não dormir. Aí adeus olho de boneca. Fica com olho de louca. Olhar de louca. Não é engraçado? Vou me olhar no espelho agora mesmo. Será que estou com olho de louca? Acho que sim. É muito engraçado ter insônia. Muito mesmo. Prefiro ficar assim, pensando merda, do que ficar desenterrando aquelas mágoas antigas, que insistem em vir à mente. Mas consigo. Estou me esforçando para ter bom humor na madrugada. Não vou pensar no mal que você está me fazendo. Não vou pensar nas coisas ruins que estão acontecendo. Não vou pensar que ontem, antes de ontem e trás-ante-ontem você saiu sem se despedir de mim. Não vou pensar em há quanto tempo você não me beija, não vou pensar que nossa vida está muito ruim, não vou pensar que sinto sua falta. Não vou pensar, não vou pensar, não vou pensar. Mas para isso precisava dormir... |