PRIMEIRO BEIJO
Helô Barros
 
 
"Se não houver frutos, valeu a beleza das flores;
se não houver flores, valeu a sombra das folhas;
se não houver folhas, valeu a intenção da semente."
- Henfil
-

Tarde de verão, chuva e sol, sol e chuva. Meteorologia de um intenso dobro, quase dois. Ela, querendo controlar o corpo que desembestou a crescer à sua revelia. Ele, dominado por uma revolução de líquidos tenta se manter à tona, não se afogar. Assim, entre pavores e mortes súbitas tropeçam ambos, solitários, na ditadura do adolescer. Mas, naquela tarde de verão, talvez porque divididos e multiplicados pela chuva e pelo sol, ele a apertou contra o muro, e ela, o aceitou. Ficaram ali, guardados do tempo pelo beiral largo da casa de praia. As mãos dele deslizando pelas costas dela como que a procurar nos bolsos as chaves da própria sorte. O barulho da água, a falta de ar, a saliva respondendo aos lábios e a nuca, o eriçar do medo. O salvamento.

Na pele a estampa das férias coloriu-os em papel de presente; nos olhos o brilho da sede; nas bocas uma única cicatriz.

O tempo talvez mude o destino destes corpos, altere parcerias. Mas lá ficará a marca, como a de um sinete na cera quente, o relevo do primeiro beijo impresso na argamassa de uma casa de praia. Onde chove e faz sol, faz sol e chove, ao mesmo tempo. Meteorologia de um intenso dobro. E porque não arriscar: sempre dois.

 
 
fale com a autora