A HORA DE SAIR DE CENA
Mariazinha Cremasco
 
 
Chupam gilete/ Bebem xampú
Ateiam fogo / No quarteirão
(Poema Enjoadinho - Vinícius de Moraes)

Quando nasce, é uma loucura: não tomou a mamadeira, está com dor de barriga, o cocô está verde, vomitou, arrotou, não arrotou, não dormiu bem. Termômetros, cremes, pomadas, talcos, gaze, algodão. Cotonetes, hipoglós, fraldas descartáveis, cestinhos, carrinhos, cadeirão. Vacinas, remédios, quanta preocupação. Começa a pré-escola: coitadinho. Tão pequenininho. Será que a professora vai ter paciência? E se ele chorar? Será que deveria ir para a escola tão cedo? Remorso. Primeiro grau: lave as mãos antes de comer. Escove dentes. Levante a tampa do vaso. Não brigue. Respeite a professora. Não pegue nada que não seja seu. Cuidado. Não corra. Faça a lição. Durma cedo. Televisão até as oito horas. Cuide do seu irmãozinho. Pré-adolescência: o que você está fazendo aí trancado? Abra já essa porta. O que está lendo? O que está assistindo? Olha lá, heim? Eu tô de olho em você. Não ponha o dedo no nariz. Que feio. Coma direito. Coma devagar. Lave as orelhas. Vou contar pro seu pai. Adolescência: não, não pode pegar o carro. Você não pode, não está apto. Abra já essa porta. Arrume suas coisas. Saia já da internet. Com quem está falando? Desliga esse telefone já. Tome banho, não durma tarde. Não chegue tarde. Estudou? Comeu direito? Leve agasalho. Passe filtro solar. Lave direito essa cabeça. Vá dormir mais cedo. Amanhã tem prova.

Até um dia que vem a terrível frase: "eu não pedi pra nascer". E a gente se arrebenta. E a gente se arrasa. E a gente definha. Mas que bobagem. Quem ainda não disse essa pérola? Todo mundo já falou isso um dia. "Eu não pedi pra nascer". E quando ouvimos isso de nossos filhos, nos enterramos. Ficamos péssimos. Invariavelmente essa frase é dita na adolescência, ou na pré-adolescência. Mas pensando bem, eles têm razão. Amor de mãe. Que coisa mais sufocante. É um amor desmedido, sim. Um amor absolutamente sem limites. A mãe deixa de ser ela mesma e passa a ser o filho. Viver a vida do filho. Respirar o ar do filho. Mesmo as mais modernas se flagram "sendo os mesmas e vivendo como nossos pais". Tudo o que não se quer é repetir os erros dos pais. Mas o que mais se faz é isso mesmo. Repetimos o que julgamos erros. Porque, basicamente, esse é o ciclo. Temos tanto amor que acabamos interferindo demais. Viramos as chatas, as vilãs. Nossos filhos vêm qualidades apenas nas mães dos outros. Claro. As outras mães não os incomodam. São só eventualmente presentes. Mas as nossas mesmo... Pô! Mãe é tudo igual. Só muda de endereço. Eu me acho moderna, atual, acompanho tudo. Mas me flagro fazendo várias dessas coisas descritas acima. E me censuro. E me policio. E volto a fazer. Sabe por que? Nós, mães, deveríamos saber a hora de sair de cena. Teria que ser mais ou menos como uma lei trabalhista. Mãe deveria ser um cargo. Um cargo a ser abandonado em certa altura da vida dos filhos. Passaria a ser apenas parte da família, como o pai e os irmãos. Porque mãe, mãe é uma chatice. Mãe não se toca. Mãe enche a paciência. Mãe é um porre.

Mães, desuni-vos. Vivam e deixem viver.

 
 
fale com a autora