O SÓSIA DO DIABO
Mariazinha Cremasco
 
 
Era uma menina comum. Brincava, estudava, brigava. Foi mais ou menos aos oito anos de idade que percebeu que era diferente das outras: ela acreditava que "via" coisas.

Tudo começou com um sonho. Sonhou que estava em frente à penteadeira da mãe, olhando-se no espelho. Porém o que via não era sua imagem refletida, e sim um homem moreno, feio, com rugas na testa e traços marcantes. O homem olhava fixamente para ela com seus olhos de fogo e mastigava. Seu maxilar quadrado subia e descia lentamente, mastigando bolinhos que pegava em um prato. Colocava um na boca, mastigava cuidadosamente e engolia. E então, outro bolinho aparecia no prato vazio. E ele comia outra vez, sempre olhando para a menina.

Ela acordou apavorada. Chamou a avó, que dormia no mesmo quarto. Tentou contar o pesadelo, mas a velha lhe pediu que voltasse a dormir: era só um sonho. Mas a menina não conseguia esquecer o homem do espelho. Parecia tão real, não poderia ser apenas sonho. Acabou adormecendo de pura exaustão.

Alguns dias depois, numa manhã de domingo, a menina, bem arrumada, com vestidinho rodado, sapatinhos brancos e fita no cabelo, saiu com a avó. Coincidentemente, essa era a mesma roupa que usava no sonho do espelho, mas ela nem percebeu isso.

Apanharam o ônibus e a menina sentou-se toda feliz na janelinha, ao lado da avó. Ela adorava os domingos. Dizia que esse dia da semana tinha um cheiro diferente, muito agradável. Os domingos sempre traziam um grande bem-estar. Assim perdida em seus pensamentos, olhava para a rua, analisando tudo o que via: casa bonita, casa feia, lado da rua par ou ímpar, pessoas com roupas coloridas, árvores e flores. Prestava atenção nas diferentes tonalidades de verde das folhas.

Então o ônibus parou em um ponto que ficava bem na frente de um bar. A menina esticou os olhos e, lá dentro do bar, ela viu um homem. Não. Ela viu o homem. O mesmo homem do espelho. Como no sonho, ele olhava para ela fixamente, enquanto comia bolinhos que tirava de um prato. E mastigava pacientemente, depois engolia e pegava outro. O mesmo rosto, a mesma testa vincada, o mesmo olhar de fogo, a expressão dura e o maxilar quadrado.

A menina começou a tremer incontrolavelmente, o que assustou a avó, que queria saber o que estava acontecendo. O ônibus partiu e só então ela contou do homem que vira no bar. A avó, que não tinha visto ninguém, disse algo que a apavorou ainda mais: é o diabo! É o diabo! Só o diabo tem um prato que nunca fica vazio, por mais que se coma.

Nunca mais a menina conseguiu dormir no escuro. Depois desse dia, começou a ver coisas estranhas e isso nunca mais parou. Depois de adulta, com freqüência olhava para uma criança ou jovem e conseguia vê-la velha. Ou então via um velho e adivinhava seu rosto quando criança. Outras vezes, ao conhecer alguém, tinha a sensação de enxergar aquela pessoa morta: pálida, deitada no caixão, coberta de flores, das quais imaginava até a cor.

Ela acabou se habituando às visões, mas nunca deixou de se assustar com elas. Em algumas situações, quando vê um homem qualquer muito nervoso, brigando por alguma coisa, sente o mesmo pânico da infância. Vê a boca crispada, a testa cheia de vincos, o maxilar comprimido e teme estar diante do sósia do diabo.

 
 
fale com a autora