Era tarde da noite, quando
a cama embaixo do corpo faltou em espaço. Estatelou-se no chão como um
velho saco de batatas e acordou na penumbra da veneziana entreaberta do
quarto embaçado de suor. O chão todavia estava frio e repudiava o calor
humano, em baforadas de frio na espinha dorsal do pobre coitado estendido
no chão, agarrado ao último fio de lençol estendido sobre a cama. Ainda
bem, que não comprara a parte debaixo da cama.
Naquele chão frio, era a única coisa que imaginava. Tanto que foi difícil,
recobrar a razão, e arrastar-se por dentro do lençol, numa repetição contrária
dos movimentos involuntários que fizera anteriormente. Já era tarde, mas
mesmo assim, ainda era necessário um pouco de razão e sensatez. Fazia
frio, mas a razão permanecia. Era frio. Era muito frio.
A parte de dentro aconchegava e acolhia, recobrava a razão, e trazia a
mente de volta à sua rotina neurológica. Os fins justificam os meios.
E quais sãos os meios? O adversário do outro lado do ring? Não confundam
os esportes, que está mais pra patinação do que boxe. Acontece que seu
adversário lutava pelo método Jiu-Jitsu, e preferia o combate corpo no
corpo. Enquanto, sua preferência era pelas artes medicinais, da cura pelo
cânhamo, e recolhia-se a qualquer investida do adversário. O combate se
iniciava pelo contato corpo a corpo, resultando em chaves de braço, pernas,
ombros, e tudo mais, resultando numa aula de contorcionismo espansionista.
A pernas, os braços, os ombros, e os corpos entrelaçados, conspiravam
contra todos os astros, e acuavam o pobre indivíduo, para o abismo por
entre as cobertas. Naquele mundo inexplorado do colchão, resultado daquela
velha crença de que o mundo é quadrado. E é a mais pura verdade, que no
fim do mundo, estão as duras cerâmicas frias e umedecidas pelo vento da
noite de inverno. O mundo acabava ali, e além da extensão daquele colchão,
já não existia nada. Era duro, e era frio.
Não voltara a dormir durante um bom tempo, o que levou-o a concluir, após
enorme pesar, que em sua luta inglória por um pouco de lençol, havia esquecido
de barganhar por mais um pedaço de colchão. Quando finalmente, pode apagar
da memória e do corpo, a sensação do chão frio, voltou bailando o lago
dos cisnes entre as cobertas e dançaram durante longas horas, e logo após,
regozijaram-se rodeados de aplausos e suspiros por todos os lados.
Tudo por causa de uma pequena falta de espaço. Talvez esta crônica pudesse
ter sido mais alegre, ou quem sabe um pouco mais irônica, e até quem sabe,
mais divertida. Mas acontece que o chão era frio, inconsolávelmente frio.
E de fato a intenção do adversário era das melhores possíveis, mas culminou
em sua luta contra o colchão. "Tô caindo!", foi a revelação
mais realista da noite, e nem mesmo os suplícios do outro sexo em grudar-se
em seus ombros, pernas e braços, serviu-lhe de consolo. Pois, o pior de
tudo era a diminuição do seu espaço no colchão.
Apesar das estocadas adversárias, ele sobreviveu o resto da noite. Dormiu
bem no cantinho esmagado pela adversária, sonhando com o resto do colchão.
|