Eu li tudo o que tinha para
ler, e se não li mais nada, foi por pura preguiça e não por falta de visão.
Tenho andado muito fora de controle, mas se digo que não comi e nem dormi,
é mentira, pois, em minha falta de controle reside a mentira deslavada
e ainda suja de lama da noite anterior. Peço encarecidamente que não me
levem a sério, porque devo estar dissimulando um sorriso, e também não
me procurem, pois, devo estar ficando meio louco, mas não me dêm ouvidos,
apenas tranquem-me na sala, no banheiro, ou na cozinha, já não faz mais
diferença. Deixem-me imóvel como uma estátua, mas deixem-me só. Não quero
nada, nem mesmo um livro prá ler no banheiro. Hoje abati-me com a tristeza
de que vou morrer sem nunca ter visto um eclipse!
Vou morrer podre e sem graça, num dia de chuva fina e repentina. Também
não quero fazer isso hoje... Descobri os segredos do século, e reconheci
o fato de que meus filhos, jamais vão presenciar a virada de milênio,
e que se tiverem sorte e a saúde lhes permitisse, ainda assim, talvez
assistam a virada do século. Não que isso tenha feito muita diferença
em mim, que quando criança ansiava enernamente na possibilidade de aventurar-me
aos limites na virada do século XX. Mas hoje de manhã, senti um cheiro
de padaria em minha alma, pois, fora como se algo estivesse assado e queimado
prestes a esturricar. Era o cheiro daquela pizza que coloquei no forno
ontem na madrugada e que não comi. O dia raiou inconseqüentemente, privando-me
da capacidade do sono.
Não acordei de fato, vasculhei feito um zumbi os cantos da sala, do banheiro,
e da cozinha, pois tanto fazia, se o fizesse nos fornos a lenha de minha
alma, ou nos da padaria na esquina. Sonhei ter visto um eclipse, e havia
uma lembrança da casa toda fechada, e era uma lembrança antiga, esquecida
lá no fundo da alma. As pessoas murmuravam e visualizavam as escondidas
com suas tiras de negativos fotográficos, através das frestas na cortina
da sala, do banheiro e da cozinha, um fenômeno natural da natureza. Não
pude alcançar a janela da sala, da cozinha, nem do banheiro. Era como
se fosse um dia sem noite e uma noite sem dia, mas confesso que não vi,
e se eu disse que já tinha lido o que já li, e que não li, estava mentindo.
Pois, bem avisei que estaria mentindo.
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