Tema 200 - 1956
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NÃO ALIMENTE OS POMBOS
Zeca São Bernardo

Nem 57, tão pouco 58...59 nem pensar. Além do que, a placa do memorial da biblioteca não me deixaria esquecer jamais!1956, numa tarde de verão, foi a última vez que a vi. Bem ali, passeando entre aquelas árvores. Essa praça, então, era novidade. Recém inaugurado, vínhamos todos para cá. Alguns até faziam piquenique sob a sombra do velho ipê.

Passou por mim e não me viu. Não fora a primeira vez, somente a última. Como já disse. Fiquei sabendo que o rapaz que a acompanhava era seu marido e que a menina em seu colo era sua filha. Bom, sorte deles.

Álias, sorte cada qual tem a sua. já não lamento nem lastimo tanto a minha quanto a dos outros. Bem depois descobri que ele era um fotografo. Desses de fotos três por quatro. Sem querer, referia-me como lambe-lambe ao sujeito de quem nunca nem o nome vir a saber. Despeito, coisas minha. Tão minhas quanto ás coisas delas, trocar um poeta por um fotografo. È, é a vida. É, as coisas são assim.

Tantas décadas passadas e cá torno ao banco. Não, não é o mesmo banco e sim, é a mesma praça. Conseguiram, na tentativa de reviver os áureos tempos do parque, substituir o velho banco de madeira pôr um banco de concreto, ainda, bem pior.

Foi nesse exato lugar que ela disse que não poderia me amar. Foi nesse exato lugar que a vi passeando com sua família poucos anos depois, foi nesse exato lugar que pedi minha esposa em casamento e deste exato lugar muitas e muitas vezes assisti meus filhos brincando na areia ou no escorregador. Com os olhos mais atentos no que poderia calhar de ver do que necessariamente com a obrigação de cuidar das crianças.

Pombos e milho!Sem querer substitui o velho Amadeu e tornei me o ancião que teimosamente alimenta essas aves já á alguns anos. Pouco me importa se mais uma vez o guarda ou vigilante vem me lembrar que não pode.

A primeira placa que colocaram quase em frente ao banco, propositadamente creio, dizia: Não jogue milho aos pombos! Pois bem, mudamos o cardápio para amendoins. Depois deles vieram os miolos de pão ou os pães secos esfarelados. Farelo, serviço do tempo. Algum dia desses vão mudar a placa para algo do tipo não alimente os pombos e ai sim terei que arranjar algum outro pretexto para essas horas intermináveis de encontro comigo mesmo e com toda aquela minha história que não aconteceu.

Raramente, alguém me pergunta o que aqui faço. A qual mister pertence meus atos. Ontem, uma jovem perguntou-me como iam as coisas. Quem eu esperava... lhe respondi. O tempo minha filha!O tempo, na minha idade não se pode esperar mais muito de nada. Nem da própria vida. Espero que o tempo cometa um engano. Um simples e reles engano! E que me dê de volta a chance de olhar pela última vez meu primeiro, único e grande amor. Entre lágrimas, ela me perguntou:

E se isso nunca acontecer?Com um sorriso amarelo, tomei outra vez a palavra e declarei lhe minha certeza; Bem, então, resta-me esperar á morte e tão logo ela me aviste não lhe daria a menor chance! Ao menos uma única pergunta ela terá que me responder!

Maria das Graças já passou pela senhora, dona Morte? Como? Passam muitas e muitas Marias das Graças pela senhora? Oh, perdoe-me, certamente a senhora há de se lembrar da mulher mais linda que já existiu em todos os tempos...

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