Tema 200 - 1956
Índice de autores
O BAILE DE DEBUTANTES
Eva Ibrahim

Sara era uma menina graciosa, com quinze anos e grandes olhos verdes, chamava a atenção aonde quer que fosse. Os conhecidos diziam que se parecia com "Elizabeth Taylor", mas, ela não se dava conta disso, apenas queria ser feliz, como toda garota da sua idade. Nos "Anos Dourados", décadas de cinqüenta e sessenta, as moças eram ingênuas e sonhadoras; aguardavam a chegada do príncipe encantado e obedeciam as ordens paternas. Uma sociedade patriarcal, onde o pai era o provedor e quem decidia os assuntos da família direcionando e encaminhando os filhos para o futuro de acordo com sua vontade.

A menina era de uma família numerosa que vivia com grandes dificuldades financeiras; a mãe era costureira e o pai vivia de pequenos negócios, aqui e ali. Sara cursava o Ginásio, o único da região, e tinha como amigas as filhas das famílias mais abastadas da pequena cidade. Havia muitos sonhos e euforia no ar, o patriotismo estava presente, impulsionado pela construção de Brasília.

Em 1956 estava sendo promovido pela sociedade local, o baile de debutantes, uma novidade bem aceita pelos grupos das elites das pequenas localidades. O acontecimento movimentava a comunidade e não se falava em outra coisa. A primeira dama ficava encarregada das meninas debutantes e de sua produção. Ser convidada para o evento era uma honra e toda menina sonhava com isto, Sara, também.

A escolha foi feita e a comissão organizadora do evento foi á casa da jovem comunicar ao pai que sua filha estava entre as quinze meninas escolhidas para debutar no baile. O homem foi frio e duro. - "Jamais sua filha seria debutante, não tinha dinheiro para essas bobagens". Ele até gostaria, mas a situação não permitia; havia muitas bocas para alimentar, pensou o homem. A menina chorou a noite toda e no dia seguinte não foi á escola. Não queria ver as amigas; todas foram convidadas e os pais consentiram. A mãe argumentou que a prioridade era manter a casa e os filhos, o pai tinha razão. Não havia dinheiro para gastar em futilidades, não podiam desperdiçar.

Depois de uma semana se escondendo pelos cantos a menina teve uma boa notícia: a primeira dama iria custear sua produção para o baile. Queria sua presença na festa, a menina merecia uma chance de mostrar sua beleza á sociedade; seria uma gata borralheira moderna. Como num passe de mágica Sara começou a freqüentar os ensaios para participar do evento. O projeto era grande, muitas flores em meio á decoração grandiosa. Os maridos estavam envolvidos em política, futebol e outros interesses. O Brasil construindo a nova capital era assunto para muitas reuniões, assim suas esposas gastavam á vontade, eles nem percebiam; apenas pagavam as contas.

A mãe de Sara recebeu o tecido enviado pela primeira dama; era branco e todo bordado com fios prateados; fez um lindo traje para a filha. A saia era rodada, o corpo do vestido bem justinho com alças prateadas e um bolero de babadinhos. Os complementos vieram depois; sapato branco com saltos prateados, luvas de cetim e uma tiara para a cabeça. A menina não cansava de experimentar os sapatos, parecia com os da "Cinderela", era um luxo.

O salão de beleza já estava marcado e Sara não se agüentava de tanta felicidade, seu sonho estava prestes a ser realizado. Mal conseguia dormir a noite, estava eufórica.

O dia do acontecimento tão esperado amanheceu chovendo e a temperatura caiu bastante o que prometia uma festa ainda melhor, pois aquela primavera estava quente demais; o verão prometia bater recordes anteriores.

O pai vestiu-se com seu melhor traje para apresentar a filha á sociedade; tinha orgulho daquela menina tão bonita. A mãe ficaria em casa com as crianças, mas Sara iria acompanhada do pai e irmãos mais velhos.

Estava linda; alta, esguia, com a tiara ao redor do coque, parecia uma princesa dos contos de fadas. Antes do baile houve uma sessão de fotos no clube da cidade, o acontecimento precisava ser registrado; era uma noite especial.

O salão de festas ficou repleto de famílias; a sociedade presente estava vestida elegantemente com roupas de gala. O baile prometia ser um evento inesquecível. Em local privilegiado ficavam as autoridades da cidade e os convidados de honra. As mesas foram distribuídas ao redor da pista de dança. O palco, com muitas flores e fitas, fora montado no fundo do salão por onde as meninas entravam para a apresentação. Ao pé da escada ficava o pai e uma debutante do ano anterior, que entregava a rosa para a menina convocada pelo microfone. As luzes foram apagadas, ficando só um holofote centrado nas garotas e os olhares do salão inteiro. A orquestra começou a tocar acordes conhecidos de introdução e as autoridades se posicionaram para receber as debutantes de 1956.

Sara foi a terceira a entrar, estava radiante, seu sonho de menina sendo realizado. Nunca imaginara uma felicidade como aquela; na mão trazia a rosa, que recebera ao descer as escadas para a pista de danças. As debutantes estavam radiantes e seus familiares embevecidos. Os pais com suas filhas rodopiavam a valsa no centro da pista com os aplausos dos presentes; as jovens estavam oficialmente apresentadas á sociedade. A partir daquele momento podiam tirar o bolero e até namorar algum conhecido, aprovado pela família. Depois dançavam uma música com o padrinho e o restante com outros conhecidos e paqueras. Cumprimentavam-se mutuamente, com elogios e muitos sorrisos; havia muita alegria e felicidade no ar.

O baile foi filmado, com destaque para a valsa, a luz de velas, num cenário romântico e encantador, coisa inédita para a época. As máquinas de filmar eram raras e poucos tinham acesso á elas. O pai de uma debutante conseguira o feito através de um amigo. Quando os últimos acordes da orquestra foram tocados, todos aplaudiram e aos poucos deixaram o recinto. Sara "a Gata Borralheira" saiu com o pai de volta para casa, estava radiante, foi uma noite de sonhos.

Após quinze dias, a população em peso foi ao cinema assistir ao filme do baile, ainda não havia televisão ou vídeo cassete e a fita era passada no antigo projetor do cinema. A menina estava na platéia e viu sua figura na tela, rodopiando no salão naquela noite mágica, nada podia comparar ao sentimento de satisfação que ela sentiu naquele momento.

Muito tempo se passou, Brasília já fez cinqüenta e Sara sessenta e nove anos, mas, as lembranças ficaram; essa história permanece na memória da mulher para sempre. Apesar da idade, seus olhos verdes brilham e sua beleza de senhora madura ainda está presente. Hoje, rodeada de netos é uma mulher feliz, com muitas histórias para contar.

Protegido de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto acima sem a expressa autorização do autor