FEIRA
DE FIM DE ANO
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Sérgio
G. Muknicka
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- Espera... é uma senhora de uns cinqüenta anos, de vermelho e cabelos curtos...? - eu disse fazendo uma cara de confuso. - Isso! Essa mesma, mas para todos os efeitos ela tem quarenta e cinco. Dei um sorriso simpático e apontei a direção da banca em que a senhora, provavelmente mãe dele, estava. Desde que chegou, aquele homem estava tão perdido naquela feira que fiquei com dó e acabei dando um de bom samaritano. E, além disso, sua mãe era conhecida por todos, pois adorava as feiras de artesanato de nosso colégio. Continuei vagueando pela galeria, correndo os olhos pelas caixinhas, enfeitinhos e demais cacarecos que todos achavam lindos. Todos menos os alunos, pois passávamos tardes inteiras fazendo tudo e também porque achávamos aquela exposição um absurdo. Parecia dizer a todos que não sabíamos fazer nada além de pintar toalhinhas e marchetar porta-jóias de madeira envernizada. - Carlos, vai buscar aquelas caixas que ficaram lá no almoxarifado. - escutei a coordenadora falar. Nunca gostei muito dela. Diziam que ela tinha um espírito artístico brilhante, mas eu só via empáfia e grosseria por trás da armação dos óculos no rosto redondo. Como era um dos alunos que ficou para ajudar, tive que ir. Ah! Mas a escola é grande e ela nem quer tanto essas caixas. Bem que daria tempo para um passeio. Ele caminhava calmamente nas ruas negras de piche, o cheiro dos ciprestes era muito melhor à noite, sem toda aquela obrigação de aulas e provas, atrapalhando a vida de todos. Infelizmente chegou logo ao velho almoxarifado que era usado só para estocar as peças prontas para as deliciosas feiras. Era uma sala bem grande, podia ter sido tão melhor utilizada. E agora assim...! Aquela porta pintada de verde-musgo, o forro de madeira que abrigava cupins cujo barulho parecia tão grande quanto o escuro mole e pegajoso do lugar. Carlos estava procurando um interruptor quando ouviu um som agudo? Um miado? Uma risada? Viu de relance um vulto. Achou que não fosse nada, mas quando o vulto tossiu, quase desmaiou. - Que susto, seu idiota! - disse enquanto tentava se acalmar, esfregando a mão no peito. - Até parece que viu um fantasma - Joaquim disse brincando. - Muito engraçado! Vim pegar as caixas que a outra me pediu tão interessada e você aqui escondido no escuro feito morcego! - Relaxa! - disse, dando um tapinha nas costas de Carlos. Apesar de estarem acostumados à presença um do outro, comportavam-se como se estivessem em uma convenção social. As conversas tão longas e inacabáveis pareciam cada vez mais raras, os assuntos, cada vez mais irrelevantes... o irônico era que aquela amizade já de quase duas décadas não fora construída com mentiras, mas estava sendo, estranhamente, mantida por elas. - Casaco legal - Carlos disse enquanto procurava as tais caixas. - Valeu. Comprei naquela loja nova no centro. Tem umas blusas legais lá, mas é muito caro. Eu ajudo você com as caixas e depois que a feira acabar a gente sai. - Então vamos logo antes que a dona Dulce tenha um filho. Saíram rindo. Cada um com três caixas. Segurando-as da melhor maneira que podiam. - Aqui, dona Dulce! E foram colocando as caixas no chão. - Ótimo, meninos! - disse enquanto inspecionava o conteúdo das caixas cheias de estátuas de gesso - Nenhuma quebrou, maravilha! Podem ir se quiserem, vocês foram muito bonzinhos hoje. - Até segunda-feira! - disseram já saindo da galeria. Desceram a ladeira que dava para o portão principal, já fechado - passava das onze. Joaquim terminava de fechar o zíper do casaco. Carlos já estava com o seu abotoado, queria sair de lá o quanto antes. - E aí?! Aonde a gente vai? - Joaquim falou assim que atravessaram o portão de ferro. - Não sei. Aonde você quer ir? - Carlos estava pouco interessado, queria mesmo era acomodar as mãos nos bolsos da calça jeans. - Ah, qualquer lugar está bom. - É que não estou muito a fim de sair hoje. Todo esse artesanato da feira cansou minha cabeça. Quero só chegar em casa e pensar em nada! - É... eu também não estava muito bem hoje. Então... a gente se vê amanhã? - Claro! Eu te ligo e a gente marca de sair. Ih... amanhã não vai dar! Marquei de sair com a Cecília. Fica pra outro dia, então? - Isso! Depois a gente marca, aí... um dia... tá? - Ótimo! Daí você me liga...? - Tudo bem. Foram andando. E nunca... nunca quatro quarteirões pareceram tão longos. - Deixa ele saber que é pra valer - disse enquanto terminava de vestir as calças. - Tá doido? Essa é boa... ah! Imagine a cara do Carlos se soubesse da gente? Acho que ele enfartava... - Se soubesse? - disse debochado. - Nem brinca com uma coisa dessas. Pensa no Carlinhos... - fez uma pausa, engoliu seco e disse: - Afinal, vocês são amigos de sempre. Quase irmãos. - Que ele se dane! - Não fala assim que eu não gosto. Poxa! Vocês são melhores amigos, não é? - É... melhores amigos - repetiu baixo e logo depois saiu com a mochila nas costas. - Tchau! Tem prova amanhã, tenho que estudar. Ainda caminharam um trecho da rua juntos, mas calados. Quando se separaram, despediram-se rapidamente com um seco aperto de mão, indo cada um para um lado. Rumaram pelas calçadas escuras em direção as suas casas e as suas vidas cada vez mais indiferentes. |
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