Tema 199 - DAMA-DA-NOITE
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ELA ME INVADE
Leonardo Lopes

Ela me pede que desista. Pede-me sem dizer assim. Sinto, entretanto, em cada olhar, em cada gesto, em cada dar de ombros. Às vezes, irritado, pergunto-lhe diretamente. Ela diz que não, sem manifestar, todavia, sinais de querer que eu vá adiante.

Isso começou já faz um tempo. Começou feito idéia, para depois se tornar ação. Deixei acontecer. Por isso mesmo admito minha culpa, sem me torturar. Aprendi, aliás, a conviver com a perda. Ao aceitá-la, passei a amá-la e hoje me faz falta. É curioso, mas não deixo de sentir, apesar de tudo, um certo desconforto.

Algumas pessoas que conheci me fizeram pensar que não se deve desistir. Solenemente, discordo. E discordo não do princípio em si, mas do modo. Percebo, sistematicamente, que ao insistir em algo que não convém, nos precipitamos no abismo da teimosia. Torna-se questão de orgulho, de vaidade. Ainda professo aquela humildade de quem se conforma com pouco, para não abrir mão de tudo em nome de nada. É por isso que discordo.

Ela me pede que desista. Ainda não estou certo que deva ser assim. Já vislumbrei, porém, a chance do viver depois e não me parece ser insuportável. O que não suporto, por ora, é a idéia de viver sem ela, ao menos por enquanto. Esta certeza, ainda que cada vez mais próxima, decidi afastar de mim, por vontade própria. Trabalho uma angústia por vez. E quando esta se acerca mais do pensamento, busco um jardim. No jardim é onde se encara a mais nítida noção do equívoco. À noite, estando quieto, a vida palpita em cada milímetro, embora tudo pareça vazio. Surgem, então, as sensações naturais. No jardim do pensamento, convivem a umidade do solo e o arrolo dos pássaros recém recolhidos. Estando só, sinto sua presença. Na noite escura, ela me envolve e faz com que me volte à sua busca em todas as direções e sentidos. A brisa fria que preanuncia o orvalho me faz perdido, me embriaga, me invade qual aroma de dama-da-noite.

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