INTUÍ
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Flávio
Martins
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Noite alta, umas poucas palavras e... nada. Mais um chope, um torresmo, mais pensamentos. A Ingrid, ê mulher! Sabia que era maluca e isso o endoidecia. Antonio era assim. Amava o diferente, mas sempre acabava fazendo o de sempre. Boteco, bebida, mulher. No papel as palavras insistiam em não sair. Clichê. Escreveu umas e outras, mas as que o agradavam mesmo eram as que ele inventava. A última tinha sido Intuí. Talvez por intuição, cálculo. Era meio verbo, meio nome de lugar, mas era isso: Intuí! Minutos depois e Antonio descansa a cabeça solene sobre a mesa. Relê as palavras rabiscadas e sente que a mão perdeu força na caneta, perdeu o rumo. Sente algo mais. Sente saudades. Vira-se para os fundos do boteco. Ao lado do pôster do Guarani campeão vê um casal que discute perigosamente. Antonio pressente algo que não sabe explicar. Um gosto diferente satura sua boca. As mãos tremem e, subitamente se lembra de Ingrid, da mãe morta e do atropelamento. Em pouco tempo a discussão termina e o homem vai embora gesticulando e xingando céus e inferno. A mulher agora assentada chora e soluça. Antonio não pensa, age. - Ele não te merecia. Você é muito melhor que ele. Acalme-se. Ela soluça, ele a abraça. -Não. A culpa foi minha. Brigamos por causa de mim. Sou mesmo uma burra. - Veja o lado bom das coisas. Pra tudo tem jeito. Venha comigo. Levou a mulher para sua mesa. Em pouco tempo a conquistaria. Ao saírem do bar lembrou-se dos seus escritos, mas não da palavra inventada: Intuí. *** A cabeça dói, o estômago dói, as pernas estão desobedientes. Não consegue levantar. Deita-se novamente e sente que algo aconteceu, mas não sabe explicar o quê. Onde está? Com quem está? Procura pelo terno e sente dor. Uma dor fina que parece cortá-lo de dentro pra fora. *** O sangue empapa o lençol. Caído na cama sente-se inútil. Vê pela janela as luzes foscas dos prédios vizinhos e sente cheiro de remédio. A cabeça dói e ele se lembra de soslaio de algumas coisas acontecidas recentemente. O office-boy que atrasou a encomenda, o chefe apavorado pedindo agilidade na dispensa do material, a Claudinha da secretaria rebolando enquanto faz o xérox que ele pediu. Tudo meio embaçado. Blurrrrrr. *** A dor persiste, a cabeça martela, a fraqueza abate. Antonio está suado, molhado...de sangue. Está morrendo! |
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